Análise Arkade: Nobody Saves the World, um RPG divertido, mas repetitivo
Esta semana, foi lançado Nobody Saves the World, novo game de um estúdio que eu gosto muito — o Drinkbox Studios, criador da fantástica série Guacamelee! Só que, desta vez, não estamos diante de um MetroidVania, mas de um RPG com elementos de dungeon crawler. Como o estúdio se saiu explorando um novo gênero? Vamos descobrir agora!
Ninguém salva o mundo
Como quase todo RPG que se preza Nobody Saves the World nos apresenta a um mundo fantástico que precisa ser salvo. Há uma Calamidade se alastrando pelo mundo do jogo, consumindo as pessoas e transformando-as em monstros mutantes.
Há um mago, Nostragamus, que costuma manter essa Calamidade sob controle… mas, é claro que ele está desaparecido. Quando nosso protagonista, Ninguém, encontra a varinha de Nostramagus, herda seus poderes mágicos — e a missão de salvar o mundo da Calamidade, claro.
O mundo, aliás, é povoado por diversos personagens pitorescos. Tem uma vibe meio Zelda, mas com aquele tom de tiração de sarro e zoeira que a Drinkbox sabe colocar em seus jogos. Acho que falta um pouco de personalidade ao mundo em si e a alguns NPCs: no geral, o que temos aqui é um mundo de fantasia interessante, mas que não se destaca.
Seja quem você quiser
Em Nobody Saves the World, assumimos o controle de, literalmente, Ninguém, um personagem branco que é a descrição perfeita do “avatar genérico” dos videogames: uma folha em branco que pode se transformar no que o jogador quiser.
E quando digo “se transformar” é na prática, mesmo: a varinha de Nostragamus dá ao protagonista a habilidade de se transformar em praticamente qualquer coisa. Ou seja, podemos nos transformar em diversos tipos de guerreiros, animais e criaturas, e cada um deles têm suas próprias habilidades e funções ao longo da aventura.
O rato, por exemplo, é nossa primeira transformação. Ele pode atacar com mordidas venenosas e, por ser pequeno, também pode se enfiar em passagens apertadas e descobrir áreas secretas. Já o cavalo aumenta consideravelmente nossa velocidade de locomoção, e como seu ataque principal é o coice, precisamos estar “de costas” para os inimigos na hora de atacar.
Cada forma que assumimos começa no nível F. Conforme cumprimos missões e acumulamos experiência, elas vão subindo para os níveis D, C, B, A e S. Subir de nível com uma transformação geralmente nos concede acesso à outra: a árvore de habilidades, neste caso, é uma árvore de transformações — conforme evoluímos, ganhamos acesso a novas formas.
As missões, em geral, são coisas bem típicas de RPGs, mas cada uma de nossas formas têm suas próprias missões, além dos objetivos maiores e missões de história, que podem ser cumpridos independente da forma que estivermos usando. Ou seja, evoluir cada transformação exige um bocado de grinding… e é aí que as coisas começam a desandar em Nobody Saves the World.
Grinding e repetição
Sob muitos aspectos, Nobody Saves the World parece uma versão light, bonitinha e zoeira de Diablo: temos um mundo principal para explorar, mas o grosso das missões ocorre dentro de dungeons (e semi-dungeons), áreas fechadas, repletas de inimigos e geradas proceduralmente.
Em Diablo, porém, o que nos impele a continuar jogando é o loot: a busca pelo melhor equipamento, pela arma mais poderosa. A próxima recompensa é o que nos motiva. Quando este elemento é retirado da fórmula o que sobra é… repetição, sem uma recompensa que faça o esforço valer a pena.
Nobody Saves the World traz mais de uma dezena de transformações, mas, ainda que as habilidades de cada uma sejam únicas, mecanicamente tudo é bem parecido, e o gameplay é bastante simples, sem profundidade. Há formas que atacam de perto, outras de longe, e até aquelas focadas em causar status negativos nos inimigos. Os poderes podem até ser diferentes, mas a forma com que controlamos cada variação não muda muito. O feeling de jogar com uma sereia é quase o mesmo de jogar com o cavalo.
As missões que devemos cumprir com cada uma de nossas formas são bastante genéricas, coisas do tipo “ataque x inimigos com sua arma” ou “recupere x de mana” ou “cause determinado status negativo x vezes”. Quando somamos este tipo de missão às dungeons procedurais repletas de inimigos iguais, fica bem claro que há um loop de gameplay bastante repetitivo em ação.
Isso não seria um grande problema se o jogo fosse curto, mas Nobody Saves the World passa das 15 horas, e fica chato bem antes disso. Seu combate é simples demais, formulaico demais — e acontece com frequência demais, contra inimigos demais.
Para piorar, o jogo faz uma das coisas que mais me irrita em videogames: força o jogador a cumprir os mesmos objetivos de novo e de novo para liberar o caminho. Há dungeons com portas trancadas, que só são liberadas depois que você mata x inimigos. Há áreas do mundo que você só pode acessar depois que acumula x estrelas. E as estrelas estão atreladas ao cumprimento das missões, ou seja, o jogador é meio que obrigado a cumprir missões genéricas e repetitivas — do contrário, fica impedido de prosseguir.
Sei que isso talvez não seja um incômodo real para muitos jogadores, mas quanto mais velho eu fico, mais quero que o tempo que eu invisto em um jogo seja proveitoso, recompensador. E quando um jogo não só é repetitivo, mas ainda impõe barreiras arbitrárias que limitam meu progresso, isso realmente tira todo meu tes*o por ele.
Audiovisual
Aqui está algo que não há do reclamar: Nobody Saves the World é um jogo muito bem resolvido esteticamente, e seu visual cartunesco tem uma vibe meio “clássicos da Nickelodeon” que muito me agrada. É uma estética diferente da que vimos em Guacamelee, mas esbanja estilo e carisma. Mesmo sendo 2D, o jogo traz efeitos de iluminação bastante realistas, o que concede um charme extra às paisagens.
Se o design dos inimigos tende a ser repetitivo, as diversas formas que podemos assumir não poderiam ser mais diferentes uma da outra: podemos virar rato, ovo, cavalo, mago, robô, arqueiro, sereia, dragão… é uma mais interessante do que a outra — ainda que, como já dito, não haja uma grande variação mecânica entre elas.
A trilha sonora é caprichada e muito coerente com a proposta, ajudando o jogador a entrar no clima da aventura enquanto explora castelos, pântanos e masmorras. Os efeitos sonoros da ação também contribuem com a imersão.
Por fim, não podemos deixar de mencionar o excelente trabalho de localização que foi feito em Nobody Saves the World. O jogo não possui vozes, mas todos os menus, legendas e diálogos foram não só traduzidos, mas também (muito bem) adaptados para a nossa língua. Este é um ótimo diferencial, se considerarmos o tanto de piadinhas e humor referencial que temos aqui.
Conclusão
Nobody Saves the World é mais um daqueles jogos que eu queria muito ter gostado… mas ele simplesmente não “clicou” comigo. Justamente por ser fã da Drinkbox, eu já estava disposto a gostar… mas quanto mais eu jogava, mais ele me parecia cansativo e genérico. É bonito, funcional e simpático… mas também é chato.
(Que fique claro que minha opinião não é verdade absoluta: há muitos reviews elogiando Nobody Saves the World por aí. Afinal, análises críticas não são imparciais. Uns gostam, outros não, vai da bagagem de cada um.)
Guacamelee 2 é um MetroidVania quase perfeito na minha opinião — e também gosto muito da criatividade e da estranheza de Severed. São jogos completamente diferentes um do outro, mas ambos têm suas qualidades. Nobody Saves the World, por sua vez, não se destaca — talvez porque Zelda e Diablo já fazem quase tudo o que ele tenta fazer (e fazem melhor).
Assim, saio com um gosto meio amargo na boca, e torcendo para que a Drinkbox volte a fazer MetroidVanias. Nada contra RPGs, mas na minha opinião, eles são bons mesmo é nos jogos de exploração e pancadaria 2D — especialmente naqueles que são calientes como um bom chili mexicano.
Nobody Saves the World está disponível para PC, Xbox One e Xbox Series X|S. O game lançou direto no Game Pass, ou seja, quem é assinante pode dar uma chance ao game sem pagar nada além da assinatura.