Análise Arkade: a história dos videogames passa por Space Invaders: Invincible Collection
Ao longo dos últimos cinquenta anos, o mundo presencia o desenvolvimento de uma das narrativas mais ricas da cultura e do entretenimento de nosso tempo, algo que tem transformado drasticamente o que entendemos pelo interação, imersão e engajamento. Obviamente, estou falando do amadurecimento dos jogos eletrônicos como mídia, como arte e como produto cultural.
Com uma infinidade de títulos marcantes, contudo, poucos são tão importantes para o mundo tal como conhecemos agora como é Space Invaders, da tradicionalíssima Taito. Não a toa, a identidade visual aqui do site busca nessa fonte a inspiração icônica que se tornou tão universal como alguns os mascotes mais tradicionais que vieram adiante.
Essa relevância toda não é por acaso, nem por um datado saudosismo, mas por todas as contribuições técnicas, estéticas e de jogabilidade que se tornaram populares com o primeiro game, lançado para os arcades lá no longínquo ano de 1978, momento anterior à grande crise de 1983 e antes mesmo do mundo conhecer marcas como SEGA, Nintendo, muito menos Xbox ou Playstation.
Podemos, claro, falar sobre esse momento histórico com mais calma no futuro (embora já falamos, em outra oportunidade, sobre a história da Taito no Brasil), mas é fundamental que destaquemos que muitos jogos daquele tempo ficaram marcados para sempre, mas poucos se tornaram pontos de virada, aqueles que determinariam o que viria a seguir. Há muitos jogos memoráveis, mas nem todos são inesquecíveis. Esse segundo rótulo cabe a poucos, e Space Invaders é um deles.
Dito isso, agora sim posso falar mais especificamente sobre o tema principal desta análise, a coletânea Space Invaders: Invincible Collection, um pacote que transcende o valor de resgate ou de reapresentação de grandes franquias para novos públicos, como a grande maioria das remasterizações, relançamentos ou até mesmo remakes se presta. Há aqui um elemento de respeito à nossa ainda curta história, de reverência a um trabalho que revolucionou a indústria, a qual nunca mais seria a mesma.
O exército de um
Caso você tenha se ausentado do planeta Terra nos últimos 43 anos, Space Invaders trata de um bravo guerreiro solitário lutando com seu tanque contra um exército de invasores alienígenas do espaço, com a nobre e quase impossível missão de derrotá-los antes que eles alcancem o solo, uma narrativa que dialoga muito bem com um momento histórico onde a corrida espacial ainda tomava o imaginário coletivo e a Guerra Fria estava longe de uma solução. Além, é claro, da influência de filmes de ficção científica, que estavam em alta naqueles tempos.
O mundo compartilhava memórias frescas de conflitos armados recentes, como a Guerra do Vietnã (que acabara oficialmente apenas três anos antes) e a cultura pop refletia uma onda que projetava sociedades alternativas desenvolvidas longe do nosso planeta.
Basta lembrar que o primeiro filme de Star Wars fora lançado em 1977 e em 1979 teríamos um retorno aos conceitos de Star Trek nos cinemas. Se o universo, foguetes e o espaço sideral não eram algo realmente novo no escopo de jogos eletrônicos — SpaceWar e Space Computer já eram referências anteriores para os entusiastas da tecnologia computacional — 1978 marcou a presença e a popularização do título que conseguia levar a ficção científica para uma geração inteira de jovens adultos para além as telas do cinema ou da TV.
A partir daí, tudo mudou e o formato que coloca um jogador na base da tela enfrentando ondas de inimigos foi traduzido para uma infinidade de temáticas. Iria demorar um pouquinho para delimitarmos o modelo para um gênero, hoje já conhecido como Shoot ‘em up (ou shmup para os íntimos), ou ainda “jogo de navinha” para uma velha guarda, mas a essência é bastante familiar. O mercado mudou bastante desde então, a tecnologia idem, e até mesmo os conceitos culturais e temáticos são bem diferentes daquele tempo, o que só evidencia como o fato do jogo ainda ser tão presente ser algo impressionante.
São mais de quatro décadas desde então, com algumas releituras do jogo original, algumas versões repaginadas, outras derivações, e uma coleção que conseguisse resgatar tudo o que de mais importante resultou disso é muito bem-vinda inclusive como documento histórico, e é exatamente disso que se trata essa Invincible Collection, que junta em um único lugar as principais versões do jogo original, bem como outros derivados que aproveitam bem as mecânicas básicas sedimentadas lá.
Invasores espaciais para todos os gostos
Fazem parte do pacote, portanto: Space Invaders (1978, Arcade, em P&B), Space Invaders (1978, Arcade, colorido), Space Invaders Part II (1979, Arcade), Space Cyclone (1980, Arcade), Lunar Rescue (1979, Arcade), Majestic Twelve: The Space Invaders Part IV (1990, Arcade), Super Space Invaders ’91 (1990, Arcade), Space Invaders DX (1994, Arcade), Space Invaders Extreme (2018), e Space Invaders Gigamax 4 SE (2018). Ao longo da análise você encontrará uma série de imagens retiradas de cada um deles, sendo alguns um pouco diferentes do quadro geral, e o conjunto é uma viagem obrigatória oferecendo inclusive algumas surpresas.
Inevitavelmente, o primeiro jogo da lista é o mais conhecido e icônico, e o segundo é exatamente o mesmo jogo, com algumas cores generosas. Os demais trazem suas variações, como o ritmo e a psicodelia de Extreme ou a tela expandida para até 4 jogadores em Gigamax 4 SE. Talvez o mais diferente da família seja Lunar Rescue, onde partimos de uma nave para o solo desviando de destroços (portanto, em um movimento vertical) e depois temos que retornar evitando aliens hostis.
Em Majestic Twelve os inimigos trazem movimentos mais conhecidos de fãs de jogos de tiro (com cada onda tendo seu padrão próprio), enquanto a versão Super, de 1991, traz cenários pixelados mais elaborados, além de algumas vacas a serem salvas — aliens adoram abduzir vacas na cultura pop, afinal.
Um grande destaque aqui é que a coleção guarda as principais características de cada edição, como peso do nosso tanque, cadência de tiros e até a velocidade dos inimigos, que em sua época acabou resultando, sem querer querendo, do poder de processamento das máquinas, mas o que chama a atenção é o formato de tela, que varia de produto para produto.
Há inclusive opções para ajustes nesse aspecto, mas sem descaracterizar a estrutura original. Isso significa que encontramos, portanto, jogos com visual vertical, mais adequado para algumas máquinas arcade originais, outros que carregam o formato 4×3 que imperou nas TVs comuns até pouco tempo atrás, até o Gigamax em sua widescreen bem alongada para quatro jogadores terem espaço de sobra para trabalharem juntos. Autenticidade é parte do projeto dessa coleção.
Interessante também que além das proporções, há outros ajustes que variam de jogo para jogo, como número total de vidas, dificuldade e outros, que podem ser adaptadas ao estilo do jogador. A possibilidade do multiplayer local se mantém também intacta e cada item da coletânea tem (ou não) seu formato seja intercalando quem joga, seja com ambos na tela ao mesmo tempo.
Para completar, o menu principal do pacote conta com uma breve história (em inglês) de cada jogo, bem como algumas informações adicionais, como a quantidade de jogadores possíveis e o elemento on-line que foi incrementado: o ranking de pontuação para partidas normais e o de tempo para o chalenge mode, um tipo de time attack para os mais dedicados.
Participar dos rankings mundiais – que fica desabilitado automaticamente para quem usa opções de facilitação – é das adições mais necessárias, não só para atualizar os jogos para os padrões atuais, mas curiosamente também para valorizar uma prática de outrora, que é a disputa assíncrona para quem faz mais e melhor.
Se você é dos tempos das máquinas encardidas em botecos ou fliperamas, sabe o quão prazeroso é gravar suas iniciais na lista dos melhores. Aqui, sua ID estará registrada na competição com o mundo todo, e quando se tem muito mais adversários que a molecada do bairro, cada ponto faz diferença para subir na lista. Tenho muito o que praticar para aparecer na parte de cima.
O peso (e o valor) da idade
Fora esse componente on-line, tudo o que sobra é a preservação do que já foi, e isso pode ser pouco para alguns jogadores atuais. Afinal, a movimentação lateral e o tiro vertical, base de todos os jogos da coletânea, é tão simples quanto efetiva, mas também limitante se considerarmos o que veio depois.
Em Extreme, há power ups e outras pirotecnias mais recentes, e talvez seja esse o mais fácil (ao menos nas primeiras fases) de todos os jogos da coleção, o que pode ser um bom atrativo para quem pretende jogar por mais tempo. Contar com uma campanha mais palpável também oferece um diferencial para além de passar de fase para conseguir mais pontos.
A variação de cenários da edição de 1991 traz variedade e uma sensação de avanço, mas confesso que pode ser mais cansativo visualmente do que um fundo totalmente escuro para longas jornadas. Mas como um todo, não há muito mais a oferecer do que a dificuldade crescente para nós que estamos acostumados a modelos muito mais complexos.
Ainda que haja todo o apelo histórico do qual falei até aqui, há que se considerar que mesmo as versões mais recentes são bastante simples em essência. Isto posto, a base é sólida, responde bem aos comandos quando nos (re)adaptamos ao timing do tiro e da movimentação, e funciona extremamente bem.
Em outras palavras, esses jogos permanecem muito bons naquilo que se propõem, e não se sente aqui imprecisões ao limitações de outros games da mesma época. Visualmente, os tais alienígenas tem todo o carisma minimalista de outros tempos – provavelmente esse é o jogo onde os vilões são muito mais reconhecíveis do que qualquer protagonista – mas não há nada de tão especial aqui.
Mesmo elementos de profundidade de campo não se destacavam antes como não o fazem agora, e algumas composições são, como dito, até meio cansativas pela intensidade. A reconstituição, porém, traz cores vívidas e a fluidez adequada que respeita o ritmo original, além de alguns filtros para os mais puristas.
Por outro lado, a parte sonora do pacote é impressionante. Do mais simples som de marcha ritmado do primeiro jogo ao deslumbre de músicas hipnotizantes dos mais recentes, todos abusando do timbre eletrônico futurista que combina tão bem com a ficção científica, Space Invaders: Invincible Colletion é também uma aula (ou um curso inteiro) de como se fazer sound design para games. Não é só a carinha dos aliens que se tornou parte da nossa consciência coletiva, e é impossível não ativar memórias afetivas só com o ritmo dos nossos impiedosos agressores.
Conclusão
Individualmente, é difícil conseguir separar jogo e sentimento, jogo e história, jogo e nostalgia. Não sei explicar, por exemplo, como aproveitei mais tempo da versão preto-e-branco do que a colorida, ou porque fiquei tanto tempo me deliciando com o saudosismo de algumas versões aqui presentes às quais eu nem tinha experimentado antes.
Como conjunto, contudo, fica mais fácil ser objetivo: temos aqui uma das mais importantes partes da nossa história, onde podemos identificar a semente de muitas verdades que continuam válidas até hoje, o que por si só já é um feito enorme. Soma-se ao modo viciante de sempre querermos dar um passo adiante e tudo converge para um produto completo, intenso e cheio de valor agregado.
Space Invaders: Invincible Colletion é mais do que uma recomendação nostálgica, sobretudo para aqueles que, como eu, está mais próximo dos quarenta do que dos vinte anos de idade. Permito-me ir um pouco além para dizer que mesmo para quem não viveu os tempos áureos da franquia vale a experiência tanto quanto a de jogar os primeiros games de Super Mario, ou o mais icônico dos Pac-Man.
Considerando todos os fatores, Space Invaders é tão relevante para o mundo dos videogames quanto é Cidadão Kane e Casablanca para o cinema, ou como é Mobi Dick e a Odisseia para a literatura.
Financeiramente, cada um sabe o quanto vale investir em um produto que além de si é também um verdadeiro documento histórico, mas não há como terminar esse texto sem dizer para veteranos e novatos: joguem Space Invaders! E essa coleção é, para quem joga no Nintendo Switch (versão pela qual joguei para esta análise) ou no Playstation 4, a melhor forma de se fazer isso a partir de agora.