Choice of the Vampire: Um antigo modo de jogar RPG
Alguém se lembra dos saudosos livros-jogos de role-playing game? Saiba que esse estilo “antigo” ainda não morreu.
Quando a internet e a informática ainda estavam muito longe do que hoje é considerado comum, sendo terra fértil para RPGs online e jogos extremamente complexos nesse estilo já bastante conhecido pelo meio geek, a brincadeira de encarnar um personagem e tomar decisões que influenciariam sua jornada já existia em folhas de papel.
“Você avista uma corda e não há outro instrumento no lugar. Vá para a página 21 se você pula e se agarra à corda. Vá para a página 27 se você puxa a corda”. E assim seguia um labirinto narrativo (que parecia) sem fim, às vezes recheado com gravuras de ambientes e criaturas terríveis desenhadas entre capítulos e situações, atiçando mais ainda a criatividade do jogador/leitor em desenvolver aquela história.
Quando e onde esse estilo surgiu? O que poderia ser considerado como o precursor desse tipo de ler/jogar é uma obra argentina. O livro intitulado “Examen de la obra de Herbert Quain”, publicado em 1941, de Jorge Luis Borges, era centrado na análise de um autor fictício cuja obra “April March” iniciava com uma conversa seguida de 3 situações alternativas precedentes que, por sua vez, tinham outros 3 possíveis acontecimentos prévios, tendo dessa forma 9 “finais” diferentes.
Mais tarde, Borges escreveu “El jardín de senderos que se bifurcan”, o qual contava sobre um escritor chinês que se isolava para escrever um livro e construir um labirinto, de forma que a narração era uma combinação dos dois. O resultado da leitura só fazia sentido se o leitor resolvesse, por dedução, o grande quebra-cabeça representado pela própria obra. Para o autor, isso se devia à infinidade de escolhas que podemos realizar e sua influência sobre os resultados delas. O labirinto assim representava um enigma temporal, não espacial.
Nos anos 50, os “pathing-branch books” (algo como livros de caminhos ramificados), como ficaram conhecidos, começaram a ser usados para fins educativos, desenvolvendo-se uma técnica textual pela qual o estudante teria uma determinada explicação de acordo com a resposta escolhida, o que o faria passear por variadas páginas em busca da resposta correta. Era a série “The TutorText” de livros interativos, publicada entre 1958 e 1972 no Reino Unido e no EUA.
Os gamebooks se popularizaram na década de 1970, contudo não têm um marco determinado de início, em razão do surgimento de obras similares encontradas em vários países do mundo. Porém, já nessa época no Reino Unido surgiu talvez o primeiro conjunto de publicações que abriria caminho para a série Choose Your Own Adventure (Escolha a sua Aventura), traduzida para mais de 25 línguas.
O Brasil, por sua vez, não ficou de fora e teve livros traduzidos por editoras como a Ediouro, que publicou 36 edições da série Escolha a sua Aventura, enquanto a Marques Saraiva disponibilizou 29 livros da série Aventuras Fantásticas (Fighting Fantasy, de Ian Livingstone e Steve Jackson), associadas à leitura infanto-juvenil, lançadas na década de 1980. Eu mesma joguei A Masmorra da Morte e confesso que não consegui achar o “final feliz” (e não faço ideia se ele existia).
Por ser um livro, apesar da estrutura aparentemente não linear da narração, a possibilidade de conhecer todos os caminhos e resultados do jogo era inevitável. Quem não olharia as outras escolhas ainda que só por curiosidade? Ou, por eliminação, construiria o caminho até o melhor final? Isso, no entanto, não se tornou tarefa fácil quando surgiram os text-based games (ou, na boa língua portuguesa, jogos baseados em texto) para computador.
Zork, game em texto desenvolvido entre 1977 e 1979 por 4 membros do MIT (e listado como um dos 10 mais importantes jogos de todos os tempos pelo The New York Times), era jogado através da inserção de caracteres, respondendo a comandos construídos por verbos e substantivos – ele reconhecia até mesmo preposições e conjunções. Não se limitava a um “pegue a pedra”, por exemplo, “pegue a pedra sob a árvore” era possível, o que determinava um avanço de programação para a época. Além disso, como já dito, sem jogar e recorrer a uma pluralidade de tentativas, não havia como burlar o caminho e conhecer o melhor resultado sem completar o game.
Mais tarde surgiram jogos como Journey: The Quest Begins da Infocom, que tem muito em comum com os gamebooks apesar de possuir características únicas, tais como poder ser jogado inteiramente com mouse ou joystick. Você faz escolhas e deve ler capítulos e capítulos da sua jornada, pois a história vai muito além das imagens utilizadas para incrementar o jogo. Esta, inclusive, foi um dos pontos positivos de Journey. Daí pra frente foi um pulo para os jogos superproduzidos da nossa geração.
Depois dessa viagem no tempo, chegamos ao centro da questão: Choice of the Vampire. Bem escrito e com alternativas diversificadas, tudo proporcionado pela tecnologia atual de tablets e smartphones, esse e outros mobile games do gênero certamente vão fazer você (além de treinar o inglês) ter boas horas de uma prazerosa viagem de escolhas e possibilidades.
Choice of the Vampire começa em meio a uma guerra no EUA. Você é um vampiro jovem (recentemente transformado) e não sabe o que fazer com essa nova vida (??). Aí começam as escolhas e elas não param. Quando você está perto de se esquecer de que aquela história é um jogo em texto, surge mais uma decisão a ser tomada.
Durante o percurso textual, nota-se que certas opções estão desabilitadas (em cinza) e, portanto, você não poderá escolhê-las, devido a algo que você decidiu fazer no passado. E como descobrir o que ocasionou aquela mudança? Simples, caro leitor gamer, jogando de novo. Essa escolha é a única sem alternativas para você.
Até mesmo seu nome e sobrenome podem ser personalizados e há vários tipos de habilidades que o personagem pode ter no início e desenvolver posteriormente. No que isso ajudará na história? Tente descobrir tentando e tentando de novo através dessa “antiguidade de sangue novo”…
Seja RPG, aventura, terror etc., uma boa história é um dos fatores que determinam o sucesso de um jogo. Grandes jogos surgem todos os anos para PC, consoles e, mais recentemente, dispositivos móveis, mas, embora possam ser bem mais atrativos que os jogos em texto, são reflexos dos livros que, a partir de uma prosa sem linearidade, deram início a um labirinto de escolhas guiadas pela vontade de atingir o sucesso de uma jornada.
Choice of the Vampire e outros jogos da Choice of Games gratuitos podem ser encontrados para Android. E para iOS, pode ser jogado por $ 2,99.
(Fontes: Wikipedia.org, MaeGeek.net e Llindegaard.blogspot.com.br)