Editorial: A Dificuldade da Preservação de Video Games é culpa da Indústria

26 de novembro de 2021
Editorial: A Dificuldade da Preservação de Video Games é culpa da Indústria

Vamos fazer um teste rápido. Pense em algum game que marcou muito a sua infância, considerando a geração do Playstation 3, Xbox 360 e Nintendo Wii para trás (preferencialmente se for da era do Playstation 2 ou antes). Agora responda a essa pergunta: Você conseguiria jogar esse game hoje, nesse exato momento, de forma legítima e legal, em qualquer plataforma existente? Se a resposta for sim, então excelente, mas são grandes as chances que a resposta seja não.

A preservação de video games é um assunto que cresce progressivamente conforme o tempo passa, principalmente quando se pondera sobre os games em nuvem, via streaming e em serviços de assinatura. E um fato em relação à preservação é que esse é um trabalho que fica cada vez mais complicado, por culpa da própria indústria dos video games. Que tal conversarmos um pouquinho sobre isso?

O que é preservação?

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Você com toda a certeza já ouviu falar sobre “preservação” muito antes dessa palavra começar a ganhar força no cenário dos video games. Seja em preservação de obras literárias, obras de arte, monumentos arquitetônicos e até mesmo na preservação da natureza. A preservação nada mais é do que o trabalho de manter algo, no sentido de empregar cuidados para tal coisa ou bem continue a existir.

Falando especificamente de preservação literária, trata-se do trabalho de preservação de livros, tomos e outras formas literárias antigas, preservando as obras originais da antiguidade, tanto sua parte física como seu próprio conteúdo, através de digitalização e distribuição dessas obras, seja em novas edições físicas como digitais.

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(Via: Biblioteca Nacional)

Ou então imagine a preservação de filmes antigos, em que há o trabalho de restauração de antigos rolos de fitas de filme dos primórdios do cinema, que são convertidos em formato digital para que ainda possam ser assistidos hoje em dia, seja por mídia física ou streaming.

E com esse último exemplo, entramos na preservação de video games, uma mídia muito mais nova do que o cinema, literatura ou qualquer outra coisa que é preservada hoje em dia. Mas já reparou o quão parece ser difícil realizar essa preservação? Ou, o quão complicado a indústria faz esse trabalho parecer?

Preservação, remasterizações, remakes

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Quando os video games entraram na era digital lá no fim da 5ª geração e início da 6ª, na transição do Playstation 1 para o Playstation 2, já começavam a surgir coletâneas de games um pouco mais antigos, como coletâneas das séries Mega Man, Mega Man X, Metal Slug e outros.

Nessa época, havia uma forma simples mas bem eficaz de preservar games, pelo menos na era dos CDs: através da retrocompatibilidade. Porém, entrando na era do Playstation 3, Xbox 360 e Nintendo Wii as coisas começaram a mudar. A Playstation havia descartado a retrocompatibilidade em seu console, passando a revender games antigos na forma dos PSOne e PS2 Classics. O Xbox 360 não possuía retrocompatibilidade com o Xbox Original, passando a tê-la em uma atualização posterior que adicionava compatibilidade via emulação. Já o Nintendo Wii foi o caso inverso. O console foi criado com retrocompatibilidade com o Game Cube, mas esse recurso foi retirado posteriormente.

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Lembra dessa coletânea pro Playstation 2?

Já nessa época começaram a surgir as remasterizações, relançando games antigos ou nem tão velhos assim com melhorias gráficas, de gameplay e etc. Na geração seguinte, do Playstation 4 e Xbox One, as remasterizações continuaram, com games da geração anterior recebendo novos tratamentos visuais. Nessa época, a polêmica de remasterizações, que já era grande, estava num ponto alto, principalmente pelo argumento de que as produtoras, ao invés de criarem games novos, estavam simplesmente tentando extrair mais dinheiro dos jogadores com versões novas de games antigos.

E no meio desse ínterim estavam os remakes, que não são novidade, sendo criados há muitas décadas, se pararmos para analisar de forma aprofundada. Remakes normalmente são mais bem aceitos do que as remasterizações, mas também caem na polêmica de “reviver algo antigo ao invés de investir no novo”, mas nossa discussão não é sobre as razões ou “filosofias” de remakes e remasters.

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The Last of Us Remastered gerou muita polêmica quando foi lançado, levantando a questão se essa remasterização era mesmo necessária.

O ponto é que, mesmo que sem perceber, essas remasterizações e remakes de certa forma contribuem com a preservação de games antigos, de uma forma positiva e negativa. O problema está no timing e nas razões pelas quais esses games são “revividos”. Até pouco tempo era seguro dizer que o público em geral não se preocupava com preservação de games, talvez a maioria dos jogadores nem mesmo se preocupem com isso hoje em dia, ou mais provavelmente não tenham ideia da necessidade disso.

A questão é que em termos de preservação de games, o primeiro obstáculo que é enfrentado é a barreira tecnológica, que não nos damos conta de sua existência até que finalmente vamos de encontro com ela. Passando então pela barreira mais difícil de superar: a barreira corporativa.

A preservação de games

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O Atari 2600, o Nintendo Entertainment System, o Mega Drive, o Playstation 1 e muitas outras plataformas não são mais fabricados hoje em dia. Consequentemente, nenhum game para essas plataformas está sendo criado atualmente (com algumas exceções, com alguns desenvolvedores lançando alguns poucos games para algumas dessas plataformas atualmente). Dessa forma, à primeira vista, para jogar games antigos você precisa ter um desses consoles e seus jogos.

Encontrar consoles e games antigos para comprar não é impossível, mas é difícil e dependendo do caso, bem caro. Sendo assim, só é possível jogar games antigos dessa forma? Tendo os consoles originais? Isso é algo impossível para todos, o que demanda uma outra solução: O port desses games para plataformas mais novas.

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Os preços de consoles antigos, pelo menos aqui no Brasil, podem atingir valores surreais.

E aí entramos na barreira tecnológica. Nos PCs, por exemplo, se você tentar instalar um programa do Windows 95 no Windows 10 ou 11, muito provavelmente não conseguirá, pois esses sistemas operacionais não são compatíveis. O mesmo acontece com video games. A arquitetura do Playstation 4 é diferente do Playstation 3, que é diferente do Playstation 2, que é diferente do Playstation e etc. O mesmo valendo para qualquer outra plataforma.

Com isso, duas opções se apresentam: A primeira, e mais cara, é retrabalhar o game para ser compatível com a plataforma atual, trabalho normalmente feito através de remasterizações. A segunda solução, muito mais prática e barata, é rodar esses games através de emulação. E não preciso nem salientar que a emulação pode ser considerada o Santo Graal da preservação, mas também sua cruz.

O tabu da emulação

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Imagem proibida em 728 países.

Admita, você já jogou algum game via emulação pelo menos uma vez em sua vida. Não conheço uma única pessoa que seja fã de video games que nunca tenha usado um emulador. Mas afinal de contas, emulação é crime ou não?

Primeiramente, vamos entender o que são emuladores. Um emulador é um programa cuja função é simular um ambiente ou plataforma. Em outras palavras, é um programa que permite que outros programas não compatíveis com o seu computador possam ser usados normalmente, simulando a plataforma original para o qual eles foram desenvolvidos.

Ou seja, falando especificamente de video games, tratam-se de programas que permitem que você jogue games de Super Nintendo, Mega Drive, Playstation, Nintendo 64, NEO GEO, Dreamcast e etc, em seu computador, sem a necessidade de possuir os consoles originais. E os emuladores em si não são ilegais. Ou seja, criar e usar emuladores que simulam outros sistemas não é crime.

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Emuladores são úteis para várias coisas, inclusive para programação de aplicativos para Android.

Os emuladores são os programas que simulam as plataformas, que podem rodar tanto as mídias originais (normalmente em casos de mídias em disco), ou as ROMs, arquivos digitais de games. A existência das ROMs e a legalidade delas, no entanto, é algo bem complicado. A legislação de direitos autorais é baseada normalmente na legislação americana, que diz que realizar cópias de uma mídia para distribuição ou venda é ilegal. Porém, se você for o dono legal da mídia, não há problema algum ter uma cópia digital para você mesmo.

Ou seja, você pode fazer uma cópia de Super Mario 64, por exemplo, se você for dono de um cartucho original do game. Mas se você disponibilizar essa ROM publicamente, você está quebrando os direitos autorais da Nintendo. E todos sabemos o quanto a Nintendo odeia sites e pessoas que criam ROMs e emuladores de seus produtos. E no fim das contas, está sim em seu direito legal entrar na justiça contra isso, assim como é direito de toda produtora e empresa de video games fazer o mesmo.

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Se você tem um cartucho original de Super Mario 64, então você pode ter um arquivo ROM do game, desde que você o crie e mantenha-o apenas para você.

Porém, é inegável que o melhor trabalho de preservação de games antigos é feito através das ROMs e emuladores, mesmo que seja algo ilegal, dependendo da interpretação da legislação de direitos autorias. E por que essa é a melhor forma de preservação? Porque as próprias produtoras, ou pelo menos as grandes empresas da indústria dos video games, não se preocupam ou parecem sequer respeitar seus próprios legados a ponto de realizar o trabalho eles mesmos.

O descaso da indústria com seu próprio legado

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Os cartuchos de E.T. e outros games enterrados no deserto, um triste capítulo da história dos video games.

Você já ouviu falar no filme Ben Hur, de 1959? Trata-se de um filme importantíssimo para a história do cinema, sendo o primeiro recordista de premiações no Oscars, com 11 estatuetas, até ser igualado por Titanic em 1997 e O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei em 2003. Se você quiser assistir o filme hoje em dia, é fácil, o filme está disponível na HBO MAX, além de ser possível comprá-lo em DVD e Blu-Ray (apesar de talvez ser um pouco difícil de achá-lo). E você pode ver esse filme com imagem e áudios remasterizados, com mais qualidade, sem alterar a obra original.

Agora, e se você quiser jogar a trilogia original de Resident Evil, ou mesmo o já mencionado Super Mario 64? Você conseguiria? A resposta, pensando na possibilidade de jogar esses games de forma legal é: NÃO, você não pode jogá-los ou comprá-los legalmente para nenhuma plataforma atual. No caso de Super Mario 64, até é possível, mas de uma forma não muito satisfatória. Já no caso de Resident Evil, apenas os remakes dos três games estão disponíveis nas lojas, mas não os originais de Playstation.

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Você quer jogar Resident Evil, Resident Evil 2 ou Resident Evil 3: Nemesis originais hoje em dia? Sinto muito, o game não está a venda em nenhum lugar.

Muitos games antigos não estão disponíveis em nenhuma plataforma atual, seja porque suas produtoras não existem mais, por serem games licenciados que não podem ressurgir sem serem renovados, ou, na pior das hipóteses, não há interesse nisso. Isso levanta a pergunta, por que não há esse interesse?

O interesse existe, mas parcialmente. Não é incomum vermos remasterizações ou coletâneas de games antigos, com a própria Capcom e a Sega relançando muitos de seus games de décadas atrás nas plataformas atuais, principalmente os clássicos beat ‘em ups, games de fliperama, e algumas de suas séries mais importantes. Mas isso não acontece com todos os títulos. Como já citado, não é possível jogar a trilogia original de Resident Evil em nenhuma plataforma atual, enquanto isso, Resident Evil 4 recebe ports atrás de ports até para onde menos se espera.

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Resident Evil 4 tem tantos ports quanto Skyrim. Esse é um game que se recusa a morrer.

Voltando para o caso de Super Mario 64, a Nintendo, tão protetora com sua própria biblioteca, certamente não deixaria um dos games mais importantes da história de lado, não é? Pois bem, em setembro do ano passado, foi lançada a coletânea Super Mario 3D All-Stars, contendo Super Mario 64, Super Mario Sunshine e Super Mario Galaxy. Mas em abril deste ano, a Nintendo simplesmente parou de vender a coletânea, tanto digital como fisicamente. Por que ela faria algo assim? Literalmente indisponibilizando três de seus games clássicos?

Em setembro, foi anunciado o Expansion Pack do serviço do Nintendo Switch Online, em que pagando um valor extra da mensalidade padrão, os jogadores do Switch ganham acesso a alguns jogos do Nintendo 64 e do Mega Drive da Sega. Pouco depois do serviço ser disponibilizado, os jogadores descobriram que esses games são executados via emulação, e no caso dos games de Nintendo 64, haviam muitos problemas nas versões disponibilizadas, desde problemas de performance e visual, até no mapeamento de controles.

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E então chegamos na maior polêmica atual: a coletânea GTA The Trilogy – Definitive Edition, que contém versões remasterizadas de GTA III, GTA Vice City e GTA San Andreas. Essas versões foram lançadas com melhorias gráficas que, apesar de melhorar o visual dos três games em alguns pontos, piorou em outros, como em modelos de personagens. Além disso, os três games foram lançados com muitos bugs visuais e de desempenho, angariando um nota incrivelmente baixa no Metacritic, com memes surgindo diariamente mostrando seus defeitos.

Mas a pior parte dessa trilogia foi o fato de que a Rockstar removeu as versões originais dos três games de todas as plataformas em que estavam disponíveis, com exceção das plataformas mobile. Isso significa que você não pode comprar os três games em suas versões originais para PC, Playstation ou Xbox. Literalmente três games históricos foram removidos das lojas para dar lugar a remasterizações problemáticas.

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Depois – Antes

A polêmica foi tão grande que a Rockstar pediu desculpas e voltou a vender as versões originais da trilogia… mas somente em sua loja oficial para PC, e apenas para quem comprou a trilogia remasterizada. Isso não é de forma alguma algo positivo, tanto do ponto de vista do consumidor, quanto do ponto de vista de preservação de video games.

Outro exemplo crítico veio da própria Sony, que há não muito tempo pretendia encerrar por completo a PS Store no Playstation 3 e PS Vita. Essa atitude literalmente faria uma enorme quantidade de games simplesmente desaparecerem, pois não possuem versões físicas ou não estão disponíveis em outras plataformas. A rejeição foi tamanha que a Sony obviamente teve que reverter essa decisão.

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A própria Microsoft, ainda que sendo a mais amigável em termos de preservação, ainda assim tem algumas atitudes que vão contra isso. Por incrível que pareça, o maior trunfo da empresa, o Game Pass, é exatamente aquilo que ameaça a preservação de muitos games. O programa permite que os jogadores acessem uma biblioteca gigantesca de games, muitos sendo lançados diretamente no programa desde o dia um. Porém, por conta disso, a antiga discussão sobre se os jogadores são donos ou não dos games digitais em suas contas, nesse caso, tem como resposta um completo “Não”.

Se o serviço um dia ficar fora do ar, uma enorme quantidade de games pode simplesmente desaparecer. Ou mesmo quando um game for removido do serviço. Um caso factual dessa última hipótese chegou a acontecer em setembro deste ano, quando Forza Motorsport 7 foi removido do Game Pass e das lojas online da Xbox por conta de vencimentos de licenças de carros. Esse é um caso diferente, pois apenas a versão padrão do game desapareceu, enquanto suas versões mais completas ainda podiam ser compradas nas lojas. Mas não muda o fato de que um game, ou pelo menos uma versão dele, foi completamente removida das lojas.

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É claro que não se espera que um dia esses serviços sejam removidos do ar, tal como a própria Steam e a Epic Games Store. Mas isso não exclui a possibilidade de que, se um dia os servidores forem desligados, todos esses games se tornarão inacessíveis. Mas esse é apenas um dos vários ramos de discussão que o assunto levanta, que não trataremos aqui.

Preservação para a indústria ou para o público?

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Iniciei essa conversa mencionando a preservação de livros e obras de arte históricas, pois há algumas características peculiares em relação a algumas dessas obras, em comparação com os video games. Especificamente falando de obras de arte, elas são edições únicas e extremamente raras, de forma que o trabalho de preservá-las envolve impedir o acesso do público a elas, o que é algo compreensível, dado a fragilidade dessas obras.

Em se tratando de livros, como já dito, há o trabalho de preservação dos tomos originais, que são mantidos escondidos do público em ambientes altamente controlados, o que também é compreensível. Mas, nesse caso, os conteúdos desses livros são disponibilizados livremente ao público. Você pode comprar uma edição nova do clássico A Ilíada, que estima-se ter sido escrita no ano 752 A.C., ou mesmo A Epopéia de Gilgamesh, que estima-se ter sido escrita em 2000 A.C., isso sem mencionar a própria Bíblia, ou até mesmo o Tratado de Paz, Amizade e Aliança, documento que firma a independência do Brasil de Portugal.

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Livros são preservados com muita atenção e cuidado. Por isso, temos acesso a obras da antiguidade hoje em dia.

No caso dos video games infelizmente não há uma “padronização” para a preservação de sua história. Existem os ports para plataformas mais atuais, digitalização de games antigos, remasterizações e remakes, o que disponibiliza obras antigas nos dias de hoje. E como já ficou bem claro, há games que recebem esses tratamentos e outros que não. Então, afinal, o que motiva o ato de preservação de video games?

Bom, a resposta é mais óbvia do que dizer que a água é molhada: Depende para quem você pergunta. Do lado das produtoras, fica bem claro que não se trata de preservar e “acessibilizar” games antigos para todos os públicos ao longo do tempo, trata-se do quanto isso será rentável. Não à toa aconteceu toda a polêmica com a trilogia de GTA e os games de Nintendo 64 no Expansion Pack. Esses games são inacessíveis de outra forma, e da forma atual, o que se encontra são versões defeituosas.

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Quando a preservação é mal feita. Tipo a trilogia de GTA.

E do lado dos jogadores, bem, o trabalho de criar versões digitais de games antigos existe há muitos anos, datando lá da década de 90, com o surgimento de um emulador de Atari 2600 em 1994. Ignorando a discussão sobre a legalidade ou não de criar cópias dos games, o que temos é uma clara lição de que o trabalho é simples e rápido de se fazer. Só falta interesse.

No caso da Nintendo, especificamente, há alguns anos foi descoberto que ela própria utilizava ROMs baixadas da internet e as vendiam em seus consoles. Isso foi descoberto graças a uma linha de código que identificava que aqueles arquivos eram ROMs criadas para emuladores. A própria Nintendo, que trava uma guerra mortal contra qualquer um que distribuía ROMs e emuladores, usou ROMs da internet em seus consoles, colocando preço sobre eles. É claro que tecnicamente eles são os donos das IPs, mas ainda assim, não foi um trabalho feito por eles, nesse caso.

Aqui está o vídeo (em inglês), em que é mostrado que a Nintendo usava ROMs baixadas da internet em seus consoles.

Isso finalmente nos leva à questão: A preservação está sendo feita para beneficiar quem? As produtoras ou os jogadores? É bastante seguro dizer (apesar de infelizmente ser impossível dar 100% de certeza), que cada produtora preserva os arquivos originais de todos os seus games, ou pelo menos deveriam. Infelizmente, há casos como o do clássico 3D Pinball do Windows, cujos códigos-fontes inteiros foram perdidos. Sendo assim, é seguro dizer que a preservação acontece, de forma bem precária, com esses games “guardados dentro de cofres”.

E às vezes, esses cofres são abertos para que os jogadores tenham acesso a esses pedaços da história dos video games. As vezes, de forma amigável, talvez mediante algum preço baixo e acessível (como a enorme biblioteca de games antigos na Steam e no GOG). Ou, como tem sido ainda mais comum, abaixo de condições extremamente restritivas, a um preço altíssimo e de forma muito decepcionante.

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GOG significa “Good Old Games”, ou “Bons Jogos Velhos”. O site nasceu para manter vivos uma enorme biblioteca de games antigos.

Existem casos como o do emulador Ruffle, que foi criado para preservar toda a blibioteca de games em Flash existentes na internet, sendo um emulador acessível a todos. E casos como o do port de Super Mario Bros 3 da id Software que foi cancelado, que está sendo preservado em um museu, mas inacessível ao público. Só para citar dois exemplos de rpesevração vindos do público.

Em contrapartida, muitos chefões da indústria dos games gostam de dizer que o público não se interessa mais por games antigos. Bom, o público não vai mesmo se interessar se tiver que pagar 300 reais por um port mal feito de algo que um simples emulador pode fazer de forma muito melhor.

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Assim fica difícil. Para se ter uma ideia, a trilogia original ,antes de ser removida da Steam, custava R$ 44,99.

Os consoles e sistemas operacionais de computadores são máquinas físicas que possuem um “prazo de validade”. É difícil achar um Atari 2600, um Playstation 1, um Super Nintendo, Mega Drive ou outros consoles antigos em condições perfeitas. Porém, sabemos que é possível reviver os legados dessas plataformas nos dias de hoje, mesmo que não tenhamos os hardwares originais. O que falta é a indústria dos video games respeitar a própria história que está construindo. O futuro não é pavimentado destruindo o passado, mas dando continuidade a ele. Ou para usar uma citação gamer, como Solid Snake disse no final de Metal Gear Solid 2: Sons of the Patriots: “Construir o futuro e manter o passado vivo é a mesma coisa”.

Não ignoro que existem inúmeras variáveis nesse trabalho. Há uma quantidade gigantesca de games que foram criados desde que essa mídia foi inventada na década de 70, há dinheiro envolvido em suas preservações e disponibilização, há toda a questão de direitos autorais e outras questões importantes, mas sabemos que a emulação é usada tanto pelo público quanto pela indústria para manter games antigos vivos. A retrocompatibilidade dos consoles Xbox, por exemplo, é feita através de emulação. 

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Sábias palavras, Solid Snake.

Tudo isso só aponta que a solução sempre existiu. Mas o que é mais importante de se entender é que, mesmo a resposta estando literalmente bem na nossa frente, a indústria ainda cria barreiras totalmente desnecessárias para a preservação. Seja barreiras monetárias, barreiras técnicas ou barreiras ideológicas. Chegamos num ponto da história dos video games em que a preservação se faz mais e mais necessária. E infelizmente cada vez menos acessível.

Por que? Porque parece que só interessa se o público estiver disposto a pagar muito mais caro do que deveria por isso. Mas, felizmente, a preservação já acontece, partindo de uma iniciativa do público, de quem realmente ama os video games.

(Via: Jornalistas Livres, PC Gamer, O Curioso Mundo de Camis, Tecmundo, How to Geek, Norton Life Lock, PC Gamer, Kotaku, Ars Technica)

Renan do Prado

Amante de Metal Gear, platinador de Soulsborne e exímio jogador online (quando o lag não atrapalha).

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