Opinião: Estaríamos nós vivendo a era da “bolha do streaming”?
Recentemente, foi noticiado de que a Disney é mais uma das grandes corporações dedicadas a criar sua própria plataforma de Streaming, retirando assim todo o seu acervo da Netflix. Isso já aconteceu com a Televisa, que retirou Chaves, Chapolin e suas novelas mexicanas, para começar a sua própria plataforma. E, a cada dia que passa, as grandes corporações de mídia vão lançando, uma a uma, as suas propostas de Streaming. Sejam elas pagas, com a parceria de grandes estúdios de cinema, ou gratuita, como o Youtube e seus youtubers, haja tempo para assistir a tanta coisa. O próprio Google afirmou em uma palestra a qual estava presente em janeiro deste ano, que o brasileiro passa em média 8 horas diárias apenas no Youtube. Imagine se somar todos os serviços, então.
No Brasil, entre as principais, além da Netflix, temos a HBO GO, serviço online do canal que exibe Game of Thrones e Westworld, que oferece também seus clássicos como Família Soprano e Band of Brothers; o Amazon Prime Video, que traz como carro chefe o excelente American Gods, além de seu “Top Gear 2“, o The Grand Tour; a Globosat, que traz, além da possibilidade de assistir todos os seus canais ao vivo via ligação com serviços de assinante, a possibilidade de assistir ao conteúdo da TV Globo mediante assinatura; o Esporte Interativo, que dá acesso via smartphone, TV e PC à Liga dos Campeões; e o FOX Play, que fornece conteúdo para suas séries, mesmo que de um jeito bem estranho.
Além delas, Crunchyroll — que também já iniciou seu serviço de streaming de animes no Brasil — e o Hulu são outras das muitas alternativas de oferecer conteúdo ilimitado a um preço mais baixo. Cada serviço custa em média R$14,90 e contam com a mesma proposta: um catálogo variado de conteúdo, seja ele global ou de nicho, com produções exclusivas, que justificam a mensalidade. Em outras palavras: se você gosta de Stranger Things, American Gods e Westworld, terá que desembolsar o valor de três assinaturas diferentes para conferir tais conteúdos exclusivos. Isso sem mencionar o serviço de venda e aluguel de filmes como o iTunes, o Claro NOW, o Looke (que também oferece assinatura de streaming), entre tantos outros… isso não te lembra nada? Pois eu lembro sim.
Em 1999 e 2000, o mundo viu uma avalanche de empresas “ponto com”, com seus portais e as mais variadas ideias. Grandes corporações, desde o início dos anos 90, investiam em provedores, portais de conteúdo e navegadores, dentre elas o UOL, o Yahoo, a AOL, e tantas outras. É só você pegar a sua revista de videogame desta época, que você vai encontrar várias “.com” anunciando seus serviços. Este avanço fez com que as ações destas empresas simplesmente disparassem, apenas por ter um “.com” como “sobrenome”, o que atraía diversos investidores e acionistas. Mas, embora esta explosão da Internet foi revolucionária, e mudou para sempre o mundo, assim como o automóvel e a televisão, por outro lado o excesso de iniciativas online e a falsa sensação de lucros exorbitantes e ilimitados acabaram por derrubar os valores destas empresas, já que além do superaquecimento, problemas de corrupção e o temor do “bug do milênio”, fizeram com que os investimentos recuassem.
Pois bem, voltando aos dias atuais, parece que estamos vendo o mesmo com as plataformas de streaming. Com cada plataforma funcionando de maneira independente, é necessário convencer o assinante de que seu serviço não é apenas uma “Sessão da Tarde online” (outra reclamação de usuários, mas esse assunto fica para um outro dia), e que suas produções valem o investimento. A Amazon está devagar, dando a entender que quer garantir seu espaço aos poucos, sem pressa. A HBO já conta com mais tranquilidade neste ponto, devido ao seu extenso — e competente — catálogo, que garante 20 anos de exclusividade e séries premiadas, enquanto a Netflix continua a fechar parcerias e complementar o seu catálogo, a medida de que várias produtoras a abandonam, buscando aumentar a sua fatia do bolo. O ponto aqui é: e quanto ao futuro? Será que as séries serão suficientes para manter o assinante ativo o tempo todo? Ou acontecerá de um assinante assinar o serviço desejado apenas quando sua série querida for ao ar? Será possível ouvir, em pouco tempo, gente assinando Netflix para assistir House of Cards, e cancelar logo em seguida para ver The Grand Tour na Amazon. Isso pode diminuir ganhos e oferecer grandes problemas, a médio prazo.
O segundo, e talvez, mais grave problema, seja exatamente neste excesso de plataformas. Ao invés de estúdios fecharem parcerias, seja com a própria Netflix, se aproveitando de sua base de assinantes e “a casa pronta” da empresa, ou criarem suas próprias marcas, porém com dois, três, ou até mais estúdios oferecendo juntos o seu catálogo, além de conteúdo exclusivo e atraente, cada um segue o seu próprio rumo, oferecendo, ao consumidor, a “oportunidade” de gastar o mesmo que ele já gasta — e reclama — com TV por assinatura, apenas por causa da “série A da Netflix“, ou “filme B da Disney“. É claro que queremos conteúdo de qualidade e é muito bom ver as produtoras se movimentando, ao invés de ficarem na inércia e no conforto do “tá tudo bem’, porém, os exemplos do início do século deveria servir de alerta, sobre um dos princípios mais cruéis da economia: o exagero causa perdas, e grandes.
A bolha de 1999 foi uma catástrofe, porém ajudou a separar os meninos dos homens, e seus sobreviventes estão por aí até hoje. E também serviu para preparar terreno para que iniciativas mais sólidas e menos afobadas fossem ganhando espaço, como o Google, o Facebook, e a própria Netflix, que começou com seu catálogo de aluguel de DVD pelo correio nesta época, se transformando em uma das gigantes da mídia de nossos dias. Por isso, a nossa preocupação em ver todo mundo querendo colocar o seu serviço no ar, mas ao mesmo tempo, pode ser até algo bom, pois um novo divisor de águas poderá acontecer em meio a tudo isso, amadurecendo ainda mais o mundo digital, e pavimentando terreno para novas e mais interessantes iniciativas. Até porque, nada disso vai durar para sempre, ainda mais em um mundo instável como o nosso.
Por isso, aproveite. Aproveite os serviços de streaming, suas séries e fique atento para acompanhar as próximas temporadas desta grande série, que poderíamos chamar de “a grande jornada do streaming”.