Se você se protege em um sistema de cobertura hoje, agradeça a Gears of War
Em um game de terceira pessoa qualquer, a situação é bem comum: encontre um inimigo e se proteja em um local do cenário, para organizar seu ataque e atirar nos adversários. Cada um faz de um jeito, mas a essência é sempre a mesma: GTA IV e V, Mafia II e III, The Last of Us, Uncharted, Vanquish e tantos outros contam com tal sistema de proteção.
E se muitos games possuem este sistema, todos eles devem agradecer a quem introduziu tal recurso: Gears of War, através da Epic Games. E também a Kill Switch, um jogo de ação de 2003, feito pela Namco, que permitia que o jogador se escondesse em elementos do cenário, para não ser atingido tanto enquanto estivesse ali. Tal recurso, ainda, viria de outro jogo, mais antigo: o Time Crisis, que também era da Namco, e que, apesar de ser um shooter em trilhos, já permitia que o jogador se protegesse.
Existia, também, alguns recursos que permitiam alguma cobertura, como em Metal Gear Solid 2. Porém eram todos bem limitados, ou o jogo literalmente colocava o jogador em campo aberto para atirar e levar tiro “livremente”.
Nesta época, Gears of War estava sendo desenvolvido para o vindouro Xbox 360, e Cliff Bleszinski não queria um “jogo de paintball”, como ele se referia aos jogos de tiro daquela época. Jogos como GTA Vice City, Syphon Filter, Tomb Raider e tantos outros traziam tiroteios com o jogador controlando o personagem correndo pelos cenários, atirando e levando tiros, literalmente, como uma “guerra de arma de água no verão”.
Então Lee Perry, designer senis de gameplay da Epic naqueles dias, viu o sistema de cobertura de Kill Switch, e sugeriu incorporar o sistema no seu game, para dar um ar de novidade. Seus desenvolvedores acreditavam que “faltava algo” no jogo, e descobriram que era justamente a possibilidade de fazer seu soldado de proteger em uma cobertura.
O resultado ficou tão satisfatório que em vídeos demo do jogo já era possível ver o recurso:
O sistema de cobertura, então foi a solução para Gears of War, pois a equipe ainda estava achando “sem graça” um jogo onde seus soldados apenas corriam e pulavam pelos cenários. Eles queriam algo que trouxesse um gameplay mais cadenciado, sendo essa a solução perfeita. Assim, ao invés da matança desenfreada (não que Gears não seja sobre isso), o game permitia que o jogador, escondido, observasse o ambiente, estudando a forma a qual o inimigo avançava para efetuar seu ataque de forma mais precisa.
Se estivesse coberto, seu personagem estava protegido, mas quando se levantava para atirar, estava passível de ser atingido, o que fazia também o jogador esperar a hora certa, como a recarga das armas inimigas, para atacar. Este detalhe fez toda a diferença no shooter, com direito ainda até o “tiro cego”, para questões mais desesperadas, onde apenas se atira, sem mira nenhuma, acertando o que estivesse mais perto.
Somando isso a famosa Lancer, tínhamos em mãos um game de ação com muitos recursos, onde o jogador poderia se esconder, atirar, bancar o Chuck Norris e atirar sem mirar e até ir para o pau com a sua Lancer, pronto para fatiar inimigos ao meio. Mesmo as vendas baixas de Kill Switch mantiveram a Epic animada com o recurso, pois era o “ingrediente especial” que queriam.
Gears of War também precisava de algo novo para propor por causa de um “concorrente interno”. Halo, naqueles dias, já era o carro-chefe de Xbox, e para ter “mais um shooter” em seu ecossistema, só se ele oferecesse algo de bem diferente do jogo da Bungie. Assim, Cliff foi buscando suas referências e ideias, para “fazer a diferença”, e convencer o jogador de Xbox que seu game também seria interessante. Outra referência que Bleszinski nunca escondeu ter se inspirado foi Resident Evil 4. Que curiosamente, viu a Capcom usar as ideias de Gears of War em Resident Evil 5.
Pouco a pouco, a indústria foi vendo que a ideia era muito boa, incorporando-a em seus jogos. Como Uncharted, onde a Naughty Dog fala, sem nenhum problema, que as ideias do game de Xbox foram fundamentais para refazer totalmente o gameplay do game, que no início tinha inspirações nos games Tomb Raider dos anos 2000. A Naughty Dog viu Gears of War, gostou, e mudou completamente o formato do game, seis meses antes de lançar.
Hoje são muitos os games que usam tal recurso, com alguns deles sendo inclusive chamados de “clones de Gears“, como Vanquish, que soma elementos futuristas em meio a ação. Porém, games como os mais recentes da Rockstar, os da série Mafia, os dois The Last of Us, e tantos outros continuam usando o sistema, trazendo pequenas melhorias, mas sempre com o mesmo princípio: deixar os conflitos mais táticos, e tirar aquela aura de “paintball”, para sempre, do mundo dos games.