Voice-Chat Arkade: a tênue linha entre o casual e o hardcore
Um componente que é comentado muitas vezes em análises e debates é a dificuldade de um jogo. Muitas vezes gamers não irão comprar um jogo específico se a dificuldade for muita ou pouca demais, e isso acaba criando rótulos desnecessários que podem desmerecer o jogo como um todo.
Hoje em dia parece que as produtoras não estão mais tão focadas na dificuldade, mas na experiência como um todo para o jogador, de modo que o game se torne acessível para mais pessoas. Mas e a dificuldade que os gamers hardcore buscam, como é que fica nessa história?
Esta nova abordagem das empresas acabou criando um novo tipo de gamer, o gamer casual, ao mesmo tempo em que traz uma certa amargura para “gamers old school”, acostumados aos games desafiadores da época do Master System ou do Super Nintendo.
Para piorar muitos desenvolvedores parecem não saber implementar a dificuldade de maneira satisfatória, de modo que muitos jogos acabam se tornando ruins e/ou frustrantes ao ponto de ser impossível terminá-los.
Vejamos, a primeira vez que o inimigo aparece em qualquer jogo, uma mensagem normalmente surge para explicar como tudo funciona e até dá umas dicas para o jogador derrotá-lo. Muitos jogos não aplicam isto da forma correta (abusando dos tutoriais), e aí um pilar extremamente importante no jogo – a sensação de conquista, o aprendizado – é perdido.
Convenhamos, muitas vezes nós nem precisamos de uma mensagem na tela falando o que devemos fazer em certo momento. Para andar, use o analógico esquerdo… sério?
Isto nos faz voltar para uma época onde instruções eram escassas e as únicas fontes de informações eram as revistas ou manuais dos jogos (manuais que, hoje em dia, só trazem informações inúteis, diga-se de passagem).
Quando Street Fighter foi lançado, ninguém sabia soltar um Hadouken já de primeira, tudo era baseado na pura sorte, no método de tentativa e erro.
Por isso, o sentimento de descoberta era grande nas gerações passadas, uma vez que aprender o golpe, o caminho ou a maneira certa de superar um obstáculo era um exercício que demanda paciência e determinação, mas se convertia em algo extremamente gratificante para o jogador.
Hoje, com o advento da internet tudo isto foi perdido, se alguém trava em uma parte do jogo, basta dar um pulo no Youtube ver o vídeo de outra pessoa fazendo, ou buscar alguma dica ou macete em sites especializados.
Temos que considerar também que os jogos antigos eram difíceis propositalmente para aumentar o tempo de jogo. Clássicos como Sonic 2 e Super Mario Bros. até podem ser terminados em algumas horas, mas naquela época a falta de recursos para salvar seu progresso (aliado à dificuldade impiedosa do jogo em si) trazia meses de divertimento em cima de apenas um jogo.
Com certeza um “save game” fazia falta, mas é justamente pela escassez deste tipo de recurso que os jogos de antigamente – mesmo infinitamente mais simples tecnicamente -, eram muito mais difíceis que os enormes blockbusters de hoje em dia, que requerem dezenas de horas de jogo para serem terminados.
Atualmente a maioria dos jogos parece ir pelo caminho mais fácil (com o perdão do trocadilho), simplesmente colocando uma dificuldade mínima para que todos consigam aproveitar, e por “todos” estamos contando também os gamers casuais.
A ideia de transformar videogames em “centrais de entretenimento para toda a família” traz uma obrigação implícita para os desenvolvedores, que devem criar jogos com o objetivo de agradar o pai que cresceu jogando videogame, mas também a filha que curte joguinhos de redes sociais.
E isto é um enorme fenômeno na indústria: o “lado casual” está cada vez mais forte, pois empresas grandes como a Electronic Arts estão investindo (e comprando) desenvolvedoras menores como a PopCap, a Konami está fazendo uma parceria com a Zynga, e a Rovio, criadora do hit Angry Birds, se firma como uma das empresas mais bem sucedidas da indústria.
Se o público casual está maior então a necessidade de tornar os jogos mais acessíveis também fica maior. A série Assassin’s Creed é um exemplo perfeito para isto: embora o primeiro jogo da série colocasse-nos no papel de um assassino com várias armas e acessórios para matar seus alvos, ele apresentava uma boa dificuldade pelos modos inventivos com que o jogador tinha e se familiarizar para completar seu objetivo, visto que sair matando todo mundo na cara e na coragem geralmente não era a melhor opção.
Com as continuações, os protagonistas foram ganhando mais armas e mais acessórios para matar seus inimigos de maneiras mais rápidas, estilosas… e fáceis. Se Altaïr demorava muito tempo para acabar com 3 ou 4 guerreiros ao mesmo tempo, Ezio tem tantas formas de matar que uma série de “counters” bem colocados acaba com um grupo de 5 ou 6 inimigos em segundos.
A mudança de dificuldade faz o personagem Ezio muito mais forte e também deixa o jogo muito mais fácil, colocando a fluidez da história cinemática – que, convenhamos, é muito boa – no lugar do desafio.
Claro que a mudança foi bem sucedida: Assassin’s Creed é uma série muito famosa e com certeza terá muitas continuações no futuro. Mas se ele continuar a seguir os passos feitos em Revelations, vai acabar ficando cada vez mais parecido com um filme interativo, pois sua ação cinematográfica sem nenhum desafio acaba tornando-o bom de se assistir, não de se jogar.
Temos também o lado completamente contrário, o da dificuldade extrema, que anda em representado: Demon Souls e sua continuação espiritual, Dark Souls, conseguiu uma legião de fãs por aparecer na hora certa e no lugar certo. O jogo em si é muito bem feito, mas seu grande diferencial – que deu o enorme empurrão em sua popularidade – foi sua dificuldade insana, que satisfez a própria necessidade dos gamers hardcore de jogarem alguma coisa realmente desafiadora, onde poderiam morrer já nos primeiros minutos de jogo.
Super Meat Boy foi outro game que contribuiu com o lado hardcore desta equação, pois trouxe as raízes de jogos como Ninja Gaiden, Contra e Castlevania em um título criativo, simpático e com a maior “cara” de casual, mas que possui um desafio absurdo.
Sua mania de obrigar o jogador a realizar pulos precisos e certeiros para passar de fase, com boss fights cheias de adrenalina e pensamento rápido para vencer os obstáculos fez dele um título tão viciante quanto difícil.
Estes, e algus outros games recentes, conseguiram trazer um nível de dificuldade acima da média, mas é uma dificuldade recompensadora, estimulante, e isto é exatamente o que precisamos na indústria de games. Não queremos jogos fáceis demais ou difíceis demais, queremos jogos desafiadores e estimulantes.
Essa ideia de rotular games é perda de tempo. Afinal, o que te impede de ser um jogador hardcore e experimentar uns jogos casuais de vez em quando? Você pode continuar jogando seu Dark Souls ou seu Diablo, mas não há nada te proibindo de dar uma chance a Kirby’s Epic Yarn ou Plants Vs. Zombies. Todos estes jogos são ótimos e os gamers, tanto hardcore quanto casuais, deveriam experimentar todo tipo de jogo antes de criar preconceitos.
Nosso conselho é: experimente todos os jogos possíveis e não se prenda a rótulos dados por outras pessoas. Se o jogo te mantém interessado e é diver tido de se jogar, ótimo, curta-o independente dele ser casual o hardcore.
O melhor que se pode fazer é testar e entender a experiência única que cada jogo visa nos proporcionar, sempre de mente aberta para novas ideias e livre das “correntes” de “gamer hardcore” que só existem na nossa cabeça. No fundo, games são games, e o que a gente quer é se divertir com eles!
Este artigo foi escrito por nosso colaborador Henrique Gonçalves.