Análise Arkade: GRIP traz velocidade futurista e combate sobre rodas

5 de dezembro de 2018

Análise Arkade: GRIP traz velocidade futurista e combate sobre rodas

Jogos que misturam velocidade e algumas pitadas de ação nonsense sempre fizeram parte da galeria de clássicos da história dos videogames. Nomes como Rock ‘n Roll Racing, F-Zero, Twisted Metal, Wipeout e até mesmo o sub-gênero de corridas de kart, com o seu maior expoente sendo, claro, Mario Kart sempre caíram no gosto da galera pelo sistema simplificado de direção, a falta de compromisso com realismo, o que prioriza a “pancadaria” sobre rodas e o gameplay ágil.

GRIP, uma espécie de sucessor espiritual do conhecido Rollcage, chega na tentativa de ser um pouco de tudo isso, com alguns espasmos de originalidade, buscando ocupar um espaço que, ao longo dos últimos anos, ficou um pouco vazio com o crescimento do fotorrealismo e da busca incessante por sistemas cada vez mais sofisticados de controle, direção e customização. Ainda que algumas opções de combate veicular tenham surgido nos últimos anos, é difícil encontrar alguma referência que tenha a relevância dos clássicos citados ali em cima. Teria GRIP espaço nesse seleto grupo?

Análise Arkade: GRIP traz velocidade futurista e combate sobre rodas

Diferente, mas igual

Na primeira volta do circuito oval que inicia a campanha do game, tudo parece estar no lugar: veículos malucos, uma física que está pouco se importando com o realismo, abismos, competidores pouco leais, power ups… se você conhece algum dos clássicos citados no primeiro parágrafo desta análise, vai se sentir muito confortável. Afinal, até os comandos são muito similares a qualquer um deles e a pista favorece a aprendizagem e a adaptação aos controles e tudo mais. Tão simples quanto se poderia esperar.

O ponto onde o game se destaca é no visual um pouco mais arrojado e agressivo quando comparado a games “fofinhos” de kart e, principalmente, na utilização massiva de todas as superfícies da pista para conseguir vantagens na busca da melhor volta. Isso porque os carros tem um design interessante que permite aderir às paredes ou mesmo ao teto do circuito, desafiando qualquer noção de gravidade, algo até bem presente em outros jogos, mas primordial aqui.

Análise Arkade: GRIP traz velocidade futurista e combate sobre rodas

Deste modo, o jogador encontra em algumas das pistas disponíveis possibilidades diferentes de abordagem para ultrapassagem ou mesmo para obter diferentes benefícios presentes em cada superfície. Não que isso ocorra 100% do tempo, até porque há variações de pisos em ambientes abertos, mas o jogo abusa de desenhos com túneis, encostas, construções e outras maluquices que as vezes parecem ter saído do filme Doutor Estranho, ainda que com um nível menor de psicodelia.

É aí que o game perde um pouco da sua força: ainda que possua algumas pistas interessantes, faltou um elemento mais ousado ao se criar os diferentes locais das corridas para explorar ao máximo esse potencial de velocidade inconsequente. Logo, o jogador se pega mais preocupado em não tropeçar em uma pequena moita de grama do que concentrado em fazer as manobras mais legais que esse formato possibilita. E aí o desequilíbrio entre uma física descompromissada e a falta de esmero pega.

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Carros brutos, mas cheios de ar

Pelo menos, essa é a sensação: com uma física que se preocupa muito pouco em manter uma base realista, saltos e manobras são uma constante. Não há receio em se aproximar de uma parede a 90 graus e simplesmente subir por ela sem medo de se esborrachar. Mas ao mesmo tempo, cada irregularidade na pista se torna um adversário mais cruel e desleal do que qualquer um dos concorrentes.

Isso porque, tal qual pode ser conferido também em TrackMania Turbo, os carros parecem ter um peso (quase) nulo. Qualquer irregularidade faz com que se decole sem qualquer controle e, mesmo em retas, se perca completamente o trajeto, causando a saída da pista e uma punição bastante severa. Nos níveis mais avançados, qualquer erro deste tipo significa derrota consumada. Ou seja, o que deveria promover algo mais surpreendente acaba sendo o maior obstáculo do jogador.

Confira um pouquinho de gameplay para sacar essa proposta de velocidade antigravitacional — e os perigos que ela acarreta:

Não são raras as vezes que me peguei reiniciando uma corrida do princípio porque um desnível quase insignificante arremessou meu carro em alta velocidade para um local completamente fora do desenho da pista. Como diria Galvão Bueno, “o piloto se torna passageiro, amigo!” Em ambientes abertos, há pouco espaço para reequilibrar a máquina a tempo de manter um traçado correto sempre, que aliás acaba desconsiderando a ideia de descer o dedo no acelerador sem dó. Afinal, traçado correto eu tento no Forza e no Gran Turismo, né? Aqui eu quero é ir torto mesmo.

Mísseis, escudos, metralhadoras e boost

Ninguém esconde que, quando se tem a chance de ultrapassar o adversário, o prazer é grande. Mas quando se pode fazer isso usando alguma vantagem que o tire da pista, ou que o exploda no ar… é muito melhor! E aí entram aquelas maravilhosas caixinhas com elementos aleatórios a se equipar. Ainda que a variedade não seja lá tão grande, é sempre bacana poder atacar sem piedade, da mesma forma que receber um ataque na última curva é de querer jogar o controle na TV. Neste caso, a simplicidade atua a favor de GRIP.

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Uma diferença singela do game quando comparado a outros com o mesmo recurso é a capacidade de se acumular dois tipos de power ups. Isso significa que é mais fácil gerenciar o que usar de mais adequado do que ficar dependendo da sorte, ou mesmo descartando itens só para tentar pegar algo “melhor” em outra caixa. Por exemplo, a pior coisa quando se está liderando é pegar uma arma de ataque para frente. Ou você a gasta a toa para esvaziar o slot (com o risco de estar despreparado se for ultrapassado), ou fica guardando e ocupando o espaço para tentar pegar algo mais adequado para defesa da posição. E vice-versa.

No caso de GRIP, é perfeitamente possível guardar um míssil para caso apareça alguém ultrapassando no último segundo e continuar buscando por um escudo, ou um elemento de boost. para valorizar a ponta da disputa. A estratégia fica mais controlável e menos dependente da aleatoriedade. Isso pode ser uma qualidade, já que valoriza o planejamento e a estratégia, mas também um problema, uma vez que o “fator surpresa” diminui e o imponderável fica um pouco mais difícil de acontecer. Claro que é possível ter um escudo e continuar ganhando outro escudo quando se está em último, mas a probabilidade matemática é bem menor.

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Aqui há ainda um pequeno detalhe: a arma mais poderosa, normalmente, é o míssil teleguiado que independe do alinhamento com o adversário. Só que aqui não é tão simples assim, causando efeitos diferentes cada vez que utilizado. É como se houvesse um fator extra que garante um dano realmente significativo ou só uma desaceleração no adversário. Além disso, dependendo do terreno, ele explode como se tivesse sido lançado no chão, atrapalhando quem o disparou, mesmo com a mira travada. Pode parecer um detalhe, mas acontece com frequência e determina, por vezes, alguns resultados.

Como um todo, o combate dentro de GRIP não foge muito do que já foi feito antes dele, ainda que a possibilidade de ter competidores em diferentes superfícies– no teto, na parede — aumente a necessidade de risco, sobretudo quando se usa artifícios menos automáticos, como metralhadoras. A pouca variedade de armas e dispositivos acaba obrigando o jogador a saber como utilizar cada uma delas com mais sabedoria e com bastante planejamento.

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Um jogo alucinadamente sóbrio

Quando descrevo as dinâmicas do game, possivelmente as referências já existentes nos remetem a cores fortes e vibrantes, com aquela visão de futuro cheia de neon, luzes e contrastes, certo? Se esse foi o seu caso, posso quebrar um pouco desta expectativa. Com um visual extremamente econômico no que tange os exageros comuns, GRIP flerta com um minimalismo estrutural, com cenários limpos e texturas regulares. Ainda que brinque com cores mais agressivas e filtros, falta-lhe aquele elemento de cafonice que é esperado de uma produção com esse plot.

Isso significa não só uma perda ou um ganho em termos de gosto e de estilo, mas também fere algumas sensações. A percepção de profundidade, em um cenário repetitivo e linear é muito menor do que naquele onde vários elementos contrastantes se movimentam, o que, neste caso, pode significar uma diminuição na sensação de velocidade. O artifício de cores e formas exageradas “borradas” funciona bem para potencializar essa percepção e, neste caso, o jogo caminha na direção contrária. Para equilibrar, abusa daquele desfoque de arrasto muito comum nas bordas da tela.

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Com uma tilha musical que abusa das batidas eletrônicas, a composição sonora é muito competente, evitando aquele esgotamento de ouvir o ronco do motor girando continuamente no máximo. GRIP é mais sutil, valorizando esse caráter pós-moderno e dando protagonismo a efeitos e ruídos mecatrônicos, no melhor estilo Transformers. Posto isso, fica evidente que os exageros deste tipo de produção não são um objetivo aqui, seguindo por um caminho menos alucinógeno.

Nesta linha, o design dos veículos consegue um equilíbrio interessante, valorizando o tamanho das rodas nas laterais — algo como um carro de Fórmula 1 exagerado — com um miolo que varia entre inspirações mais esportivas e as mais pesadas. O design geral dos veículos lembra um pouco o Tumbler da trilogia Batman do Nolan.  os cenários acabam levando esse conceito visual mais simplificado quase ao ponto do simplório: texturas muito empobrecidas, ambiente muitas vezes vazios e repetição de traços retos e modelos urbanos mais como composição do que como estilo. Há espaço para melhorias e poderia haver um pouco mais de equilíbrio nesse aspecto.

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Ainda assim, como um conjunto, GRIP valoriza a percepção de velocidade, ainda que de uma forma mais comedida por escolhas práticas e estéticas. Tem seu estilo mais agressivo se comparado aos jogos de kart de onde bebe muito e eleva o que foi visto em Rollcage para a geração atual, considerando as limitações do sistema de produção independente. Tem identidade própria e as escolhas estéticas são positivas ou negativas muito mais a partir da percepção do jogador do que em de uma análise pretensamente fria e imparcial. Nas ilustrações desta análise, avalie você mesmo.

Conclusão

GRIP chega sem nenhuma ganância. Não há ali o desejo de revolucionar o mercado de jogos de corrida, ou competir com os maiores títulos do gênero. Também não há uma vontade de complicar aquilo que sempre foi uma característica de jogos nesse estilo: a simplicidade dos controles, a diversão descompromissada e o jogo que vale aquele momento de pausa entre coisas mais sérias e dedicadas.

Análise Arkade: GRIP traz velocidade futurista e combate sobre rodas

Ainda que as escolhas audiovisuais possam agradar mais alguns dos que outros, é fato que o potencial de ser mais agressivo e brincar com o exagero que este gênero permite está lá e não foi tão aproveitado assim. Ao evitar passar do ponto, os desenvolvedores jogam seguro. O que ultrapassou os limites, de fato, é a física totalmente maluca que permite ficar grudando nas paredes como uma lagartixa motorizada, mas que tira um pouco a vontade de arriscar, de experimentar, de ousar, com o perigo de ser punido de forma exagerada e sair flutuando como se a gravidade não estivesse lá.

Já disponível para Playstation 4, PC e XBox One, GRIP está totalmente no idioma original, o inglês, algo que não chega a ser significativo, uma vez que pouco se precisa entender textos, menus e legendas para além do que já é conhecido em termos de videogame. É só achar o botão de acelerar e os que disparam os poderes especiais. O resto, aprenda se der tempo.

Paulo Roberto Montanaro

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