Análise Arkade – The Legend of Zelda: Tears of the Kingdom
The Legend of Zelda: Tears Of The Kingdom é sem dúvida um dos maiores lançamentos do ano. E também é um dos jogos mais difíceis de analisar que eu assumi nesses mais de 10 anos de Arkade. Fica comigo que eu vou te contar o porquê.
Antes de mais nada, a sinopse
A trama básica do jogo se passa vários anos após Breath of the Wild, e coloca Link e Zelda nos subterrâneos do Castelo de Hyrule, investigando o surgimento de uma gosma misteriosa que está adoecendo a população.
A investigação os coloca em contato com as ruínas de uma sociedade ancestral (os Zonai) e acaba dando início a um cataclisma que passou a ser chamado de “Upheaval”. O evento, literalmente, mandou parte do mundo pelos ares, criando as Sky Islands (e aumentando exponencialmente a verticalidade do mundo de Hyrule).
Depois de tudo isso, Link acorda sem seus poderes e equipamentos, e com seu braço direito corrompido. Felizmente, o espírito de um Zonai, Rauru, “empresta” seu braço direito para Link – o que lhe concede um novo arsenal incrível de habilidades,das quais falaremos logo mais.
Após uma grande área “tutorial” que substitui o Great Plateau do jogo anterior, vamos parar em Hyrule, com uma missão principal: Encontrar a Princesa Zelda. Essa é a “main quest” do jogo… mas, obviamente, há MUITO o que se fazer além disso.
Um pouco de contexto
The Legend of Zelda: Breath of the Wild, de 2017, foi um divisor de águas para a franquia e sua influência segue reverberando no mundo dos games. A aventura de Link trazia um mundo imenso para ser explorado, com ênfase em crafting e sobrevivência. Era um novo tipo de Zelda, um jogo que virou referência em termos de liberdade e exploração.
E também era um jogo que trazia muitas características que eu, particularmente, não aprecio – tais como o tal do crafting e as armas que se quebram. Entendo o fascínio das pessoas pelo jogo, e acho que a Nintendo criou algo único e disruptivo… mas, algo que não era para mim.
Corta para 2023. Depois de muita espera, finalmente chega Tears Of The Kingdom, sequência direta de Breath of the Wild. Um jogo ainda maior, mais expansivo e com muitas mecânicas novas. É a Nintendo se superando, em uma plataforma que já é bastante ultrapassada tecnicamente, mas que sem dúvida ainda aguenta o tranco de uma experiência destas proporções.
Tears of the Kingdom é, sob muitos aspectos, similar a Breath of the Wild. Mas oferece muito mais “ferramentas” ao jogador. Para ele brincar mais, explorar de outras formas. É notável a evolução de um jogo para o outro. TotK não existiria sem BotW. É uma evolução, um refinamento, com aquele selo de qualidade característico da Nintendo.
É difícil falar do novo Zelda, justamente por conta dessa sua vibe minimalista (em termos de narrativa) e maximalista (em termos de liberdade). Mesmo que nós dois joguemos, a minha experiência com o jogo vai ser completamente diferente da sua. E não há certo ou errado aqui. Há diferentes maneiras de pensar, criar e de se perder pelo incrível mundo de Hyrule.
Fundindo, colando e voltando no tempo
Como já dito, o novo braço de Link é o que expande consideravelmente o leque de possibilidades deste novo Zelda. A tecnologia dos Zonai é parte fundamental da experiência de Tears of the Kingdom, e há tanto o que criar aqui que essa novidade quase parece um jogo dentro do outro.
A habilidade Ultrahand, por exemplo, nos permite pegar e grudar praticamente qualquer objeto que esteja dando sopa pelo mundo. Pedras, galhos, rodas, tábuas… vale de (quase) tudo. E, graças aos artefatos dos Zonai, podemos fazer essas criações funcionarem por meio de motores, hélices, baterias e outras traquitanas.
Já a habilidade Fusion permite que você crie armas e munições novas ao misturar seus equipamentos de ataque e defesa com itens e até mesmo partes de monstros. Exemplo básico: “fusione” uma flecha com uma fruta de fogo para criar uma flecha de fogo. Exemplo básico 2: “fusione” um galho com uma pedra para criar um martelo rudimentar.
O comando Fuse meio que acaba com o problema das armas quebráveis (que estão ainda mais frágeis aqui, mas há uma explicação no lore para isso), e aumenta exponencialmente seu arsenal. Combinações inusitadas também funcionam, e podem dar origem a armas excêntricas e poderosas.
Ascend, por sua vez, é uma nova habilidade de travessia que é quase um cheat. Se tiver algo sólido acima de sua cabeça, Link pode “nadar” para cima, cortando caminho pela superfície sólida e saindo do outro lado.
E, só para nos atermos às novidades mais relevantes, temos ainda a habilidade Recall, que nos permite retroceder certos objetos isoladamente no tempo. Então, se você viu uma grande pedra cair do céu, por exemplo, pode subir nela e retroceder o tempo: ela vai “cair para cima”, permitindo que você chegue ao seu ponto de origem.
Essas novidades acrescentam múltiplas camadas de complexidade a um jogo que, sem tudo isso, já seria bastante denso de mecânicas. Afinal, tudo o que tinha em Breath of the Wild continua aqui (incluindo cozinhar, escalar, mudanças de temperatura, a física realista aplicada ao mundo, etc). O que nos leva ao meu maior problema com o jogo.
Eu não gosto de construir coisas
No momento em que eu redijo este texto, Zelda TotK já foi lançado há praticamente um mês. E, ainda assim, todo santo dia, as redes sociais são inundadas com mechs de combate, veículos, naves e todo tipo de invenção maluca que jogadores com mais tempo, empenho e criatividade do que eu são capazes de criar.
Acho tudo isso incrível. A Ultrahand de Tears of the Kingdom transformou o jogo em um verdadeiro parque de diversões para milhões de jogadores ao redor do mundo. Afinal, por que ter pressa em salvar a princesa quando podemos criar um robô gigante com uma pir*ca que solta fogo?
É muito divertido ver tudo o que a comunidade é capaz de criar. Porém, confesso que não tenho saco para aproveitar todos esses recursos. E, ao não utilizá-los de formas tão engenhosas, sinto que estou “jogando errado”… quando, na verdade, eu só não gosto de jogos que esperam que eu construa coisas.
Como já disse, isso é uma particularidade minha. Eu simplesmente tenho preguiça desse tipo de mecânica. E, como em TotK, boa parte da graça está nessa nova habilidade de construir coisas, o que para os outros é algo divertido e lúdico para mim só torna o jogo laborioso e entediante.
Não é como se o jogo nos obrigasse a criar coisas super mirabolantes – embora, ocasionalmente, isso seja necessário. Quer dizer, há mais de uma centena de shrines que exploram as novas habilidades do braço Zonai de Link, mas estes desafios simples estão ali mais para demonstrar o potencial dessas ferramentas.
Aí eu, como alguém que não gosta de construir coisas, me atenho ao básico. Construo o básico para cumprir os desafios, o básico para me locomover, o básico para chegar ao meu objetivo.
Opiniões polêmicas e imparciais
Isso não é necessariamente “errado” – não há certo ou errado nesta questão… é só que, como eu disse, isso faz com que o novo Zelda não “clique” comigo do jeito que clica para outros milhões de pessoas.
Zelda TotK é um jogo que demanda muito tempo e empenho do jogador. Muito crafting, muita exploração de shrines, muitas receitas e criações. Tudo isso faz com que ele seja “trabalhoso”, sabe? Arrisco dizer que mais da metade das dezenas de horas que passei com o jogo não foram divertidas: foram cansativas.
Esse meu “cansaço” é fruto de algumas decisões questionáveis de interface e navegabilidade. Parece que falta botão para tanto menu, e as soluções encontradas não são muito práticas. Para fundir alguma coisa com uma flecha no calor da batalha, por exemplo, precisamos vasculhar um menu enorme, cheio de itens “inúteis”, na esperança de encontrar o que queremos. Girar coisas com a Ultrahand também é chato.
Mas, novamente: esse é o meu ponto de vista, e não reflete, de maneira nenhuma, a experiência das outras pessoas. Não há como analisar um jogo sendo imparcial, afinal, estou descrevendo a minha experiência com ele.
Lá em 2018 eu já disse: tenho dificuldade em zerar jogos muito grandes. E ambos os Zeldas do Switch, apesar de incríveis, são massivos, inchados, com mapas imensos repletos de coisas para fazer, lugares para ir e objetivos para cumprir.
Tudo isso – aliado à minha falta de empolgação por construir coisas – reforça algo que eu já disse lá no início: este novo Zelda não é para mim. Eu sou capaz de reconhecer suas qualidades, e fico chocado em ver tudo o que ele faz em um hardware tão limitado… mas não consigo tirar o mesmo proveito que todo mundo tira. Tears of the Kingdom mais me cansa do que me diverte.
O lado bom é que os fãs não precisam concordar comigo. O novo Zelda pode não ser para mim, mas certamente é para milhões de outras pessoas. E tá tudo bem. Há centenas de reviews elogiosos internet afora, que enaltecem todas as qualidades do game. Aqui mesmo, temos um preview assinado pelo colega Gilson que é bem mais positivo do que este artigo. E essa galera toda não está errada. Os textos apenas foram escritos por pessoas que gostaram mais do jogo que eu.
Audiovisual
Minha “falta de sintonia” com muito do que Zelda Tears of the Kingdom tem a oferecer não me cega para o fato de que é quase um milagre o jogo rodar em um console de hardware tão modesto quanto o Nintendo Switch.
Trazendo a mesma estética colorida com ares de cel shaded do título anterior, TotK é deslumbrante. O mundo de Hyrule nunca foi tão vasto e vívido. E, ainda que a performance dê uma engasgada aqui e ali, no geral o jogo mantém os 30fps que almeja. Estamos bem abaixo da fluidez dos 60fps, claro, mas, dado o escopo do jogo e as limitações da plataforma, “é o que tem pra hoje” — e tá ótimo.
Seria lindo vermos Tears of the Kingdom rodando em 4K a 60fps em uma plataforma mais poderosa – e aposto todos os meus rupees que este jogo será um dos primeiros a receber uma bem-vinda edição remasterizada no próximo console da Nintendo.
Nem preciso falar sobre a qualidade da trilha sonora, ou sobre a direção de arte. Enaltecer tudo isso é chover no molhado. A Nintendo é caprichosa e tudo no game reflete esse capricho. Das músicas épicas às mais introspectivas, passando pelo character design e pelas belas cutscenes que desenvolvem a história. O jogo é um deleite para olhos e ouvidos.
O que mais impressiona, porém, é o grau de polidez do jogo. Como já dito, Zelda Tears of the Kingdom é um jogo repleto de mecânicas complexas que interagem umas com as outras. Praticamente tudo pode ser levantado, arrastado, combinado. E tudo isso funciona surpreendentemente bem.
Há muitos jogos por aí que são MUITO menos ousados do que Tears of the Kingdom e, ainda assim, são totalmente quebrados, repletos de bugs. Sem zoar outras empresas (mas já zoando), algo como este Zelda provavelmente seria um desastre completo nas mãos da Bethesda ou da Ubisoft. Este jogo vai muito além do que qualquer outro jogo atual, e consegue fazer tudo o que se propõe sem “quebrar”, em um hardware pra lá de modesto. É um milagre.
O que não é um milagre nem impressiona é o contínuo descaso da Nintendo com o público brasileiro. Este é mais um triple A da Big N que recebeu divulgação massiva por aqui, com metrô customizado e tudo… e ainda assim não traz nenhuma localização para o nosso idioma.
Eu queria entender a cabeça da Nintendo. Tipo, porque ela se dá ao trabalho de localizar um remake de um jogo do Kirby de 2011, mas não traduz algo do calibre de Tears of the Kingdom? Claro, a quantidade de texto aqui é esmagadoramente maior, mas, convenhamos, é muito mais importante que o jogador entenda a história (e os menus e tutoriais) de Zelda que os de Kirby.
Conclusão
Essa é a hora que eu agradeço o fato de que não trabalhamos com notas numéricas aqui no Arkade. Seria totalmente injusto eu dar uma nota para Zelda Tears of the Kingdom simplesmente por eu não apreciar muito do que faz dele algo tão único e arrojado.
O que temos aqui é um jogo grandioso e ambicioso que chega, assim como seu predecessor, para servir de referência para uma indústria cada vez mais derivativa. Forte candidato a jogo do ano, Zelda TotKé o ápice da liberdade e da criatividade no mundo dos games.
E ainda assim, eu saio de Tears of the Kingdom cansado. Com a sensação de que trabalhei mais do que me diverti. De que não aproveitei o jogo da maneira “certa” por não utilizar a Ultrahand de formas criativas e mirabolantes.
Mais do que isso, saio de Tears of the Kingdom com a sensação de que este não é o meu tipo de RPG. Coloquemos desta maneira: eu adoraria ver a Nintendo explorar as ferramentas que temos aqui em um legítimo jogo de criação. Algo na linha de Dreams, sabe? Quando jogo um Zelda, eu quero salvar a princesa, não criar um mech que solta fogo pelo p4u.
Mas aí a culpa é minha, não do jogo. Sabe aquele “não é você, sou eu” que todo mundo já falou (ou ouviu) no término de um relacionamento? Pois é tipo isso. Eu sei que este jogo é incrível, mas não sou o tipo de jogador certo para ele.
Então, “não é você, sou eu”, Tears of the Kingdom. ¯\_(ツ)_/¯
The Legend of Zelda: Tears of the Kingdom está disponível exclusivamente para Nintendo Switch. Infelizmente, o jogo não recebeu nenhum tipo de localização para o nosso idioma.