Análise Arkade – Voltando aos bons (e conturbados) tempos com Tomb Raider IV-V-VI Remastered

A exatos 365 dias atrás, publicávamos a análise completa da coleção Tomb Raider I-III Remastered, com um sentimento misto entre a nostalgia bem alimentada pelo bom trabalho de recuperação, e uma dose de frustração com a falta de reverência do compilado para com a própria história.
Naquele momento, eu já tinha feito votos para que ao menos os dois últimos jogos da saga nos 32 bits também tivessem a chance de rever a luz pixelada do sol novamente, nem tanto pelo Chronicles, que por si só já parecia um requentadão em seu lançamento, mas principalmente pelo meu jogo favorito de toda a franquia, Tomb Raider IV: The Last Revelation, no apogeu daquela geração.
Felizmente, não demorou muito para que a Aspyr, em uma nova parceria com a Eidos, atendesse à estas expectativas com não só esses dois games, como também Angel of Darkness, primeira incursão de Lara na geração seguinte e também a primeira grande repaginada da série, que passaria por algumas outras anos depois. Agora, resta saber se o conjunto funciona tanto individualmente quanto como um todo para essa nova geração.


O passado e o futuro de Lara Croft
Diferentemente da primeira trilogia, que seguia com uma história bastante linear em continuações diretas, a coleção IV-VI Remastered é um pouco mais fragmentada, trazendo elementos importantes das origens da protagonista ainda adolescente ao lado do Professor Werner Von Croy, seu mentor desaparecido, e do presente que se conecta aos segredos que envolvem a relação desencontrada entre ambos.
No presente, sua exploração a leva novamente ao fascinante Egito, onde ela “sem querer querendo” acaba despertando a divindade Set ao remover o selo de Hórus que o mantinha recluso, cumprindo com a profecia que antevia seu retorno para se vingar do aprisionamento milenar e, no processo, levar a humanidade para a escuridão.
Ao confrontar seus medos e equívocos, ela precisa resolver questões inacabadas de seu passado, o que a leva a um desfecho impactante, sobretudo na época do lançamento do jogo, quando a personagem alcançava o auge de sua popularidade. Não vou entregar spoilers demais, mesmo sendo um jogo de mais de 25 anos atrás, porque vale a pena redescobrir o jogo mesmo agora para quem ainda não o fez.


O jogo seguinte expande o princípio de uma composição mosaical da vida e da obra da heroína, com fases independentes se passando em momentos distintos da vida dela, preenchendo lacunas ainda desconhecidas dos fãs, o que tem como efeito perder o sentido de unidade narrativa dos quatro games anteriores, mas ao mesmo tempo estabelece uma sensação de antologia não-linear.
Polêmico na época por reciclar conceitos de gameplay e não avançar tanto com a trama, Tomb Raider V – Chronicles acabou se tornando o estopim para a necessidade de uma mudança de direção conceitual de Tomb Raider que aproveitaria a virada de geração para um rebranding significativo na marca, um soft reboot, por assim dizer, mas ainda dando sequência canônica ao que fora visto antes.
O resultado foi o ainda mais divisivo Tomb Raider: The Angel of Darkness, que abandonava a linha numerada já no título para sinalizar o reinício planejado, que faria deste o primeiro de uma nova trilogia se aproveitando da ação aventureira de sempre, mas incorporando também elementos mais sofisticados típicos da lógica dos jogos de ação daquele momento, como combate corpo-a-corpo, furtividade e uma dinâmica de espionagem.


Na trama, seu passado volta a assombrá-la e, acusada de assassinato, ela se vê em um embate complicado contra um sujeito envolvido com alquimia, conhecido simplesmente como Eckhardt, que pretende se apropriar de algumas obras de arte raríssimas por motivos misteriosos.
Muda-se assim, desavergonhadamente, o eixo da ação que antes se desenvolvia majoritariamente em lugares inóspitos e isolados (por mais que tenhamos tido fases em cidades e áreas populosas nos jogos anteriores) para grandes centros modernos, para lidar com o crime organizado, facções e sociedade secretas.
Mesmo com novos elementos fantásticos, a mudança do tom é notável, em uma clara sinalização para tendências do mundo moderno pós-Matrix que abandonava a leveza da primeira metade da década de 1990 para uma sobriedade mais crua, que buscava levar os games para um patamar mais adulto, complexo e pretensamente mais sofisticado.


Não à toa, Angel of Darkness não foi só o jogo mais diferente da franquia pelas questões gráficas, mas é aquele que rompeu de fato com muita coisa que havia sido construída até então, mesmo não negando sua história pregressa. Foi uma quebra indecisa, que não queria abandonar o que era, mas buscava negar sua essência o tempo todo. O resultado é que, nem lá e nem cá, acabou flopando como ninguém poderia imaginar e, renegado pelos próprios idealizadores, finalmente tem uma nova chance de ser lembrado agora.
A inconsistência herdada na remasterização
Este rompimento é evidente desde a tela de seleção desta trilogia remasterizada. Enquanto o menu inicial dos dois primeiros foi refeito de uma forma um tanto quanto genérica, o terceiro jogo mantém uma interface com sua identidade que, mesmo claramente datada, respeita seu legado. Nota-se uma certa pressa nesse elemento tão simples, mas que traz uma primeira impressão do trabalho com um certo desleixo.

Uma vez que adentramos cada um dos jogos, a sensação é exatamente a mesma de um ano atrás, de que o trabalho da Aspyr se dedicou a preservar toda a essência das experiências originais sobretudo no sistema de controles, de movimentação e de interação com o ambiente. As mesmas virtudes (e limitações) estão presentes aqui, o que é uma boa notícia para os saudosistas, nem tanto para novos potenciais adeptos.
Ainda que o controle estilo tank possa ser alterado para um esquema moderno (opção aliás explicitamente recomendada pelos atuais responsáveis pela trilogia, mas que eu ignorei porque eu simplesmente não entendo o remapeamento de botões de ação), tudo o que se refere à precisão de movimentos, cálculo de saltos e combate se mantém tal como eram, o que significa a necessidade de muito cuidado nos trechos de plataforma, preparação com armas e medkits e muita paciência com o posicionamento meio rebelde das câmeras.
Por outro lado, alguns dos problemas técnicos de Angel of Darkness que minaram a boa vontade dos fãs logo em seu lançamento, parecem um pouco mais equalizados, como em uma atualização de melhoria de desempenho que hoje é natural e praticamente obrigatória para todo lançamento, mas que naquela época, não era uma possibilidade com jogos em mídia física e, via de regra, em sistemas totalmente offline.


A maior atualização de todo o pacote não está, portanto, na modernização dos controles de todos os três jogos, nem sequer no alinhamento entre eles, mantendo-se tudo o que os torna únicos. O trabalho mais evidente está em recompor o último deles para aquilo que lhe era planejado, incluindo conteúdo originalmente cortado pelos desenvolvedores e assumindo que o produto final, já naquela época, estava tão incompleto quanto a comunidade especulava e defendia.
O controle de câmera e a precisão dos movimentos, na coleção, se provam realmente mais responsivos, resultando em comandos mais precisos e menos irritação por quedas inesperadas. Mais uma vez, quem melhor se beneficia destes ajustes é o sexto jogo — notadamente o mais problemático e mal resolvido dos três –, permitindo finalmente usar armas tanto em saltos como em modo furtivo.
Entretanto, a função está tão distante de ser perfeita quanto foi na coleção I-III, e os problemas em quinas, corredores apertados e cenários fechados permanecem incomodando mais do que deveriam. Ao que parece, mais uma vez os jogos do PSOne parecem ter tido um cuidado menor do que o mais novo dentre eles, talvez porque eram originalmente mais bem acabados.


Outras atualizações mais dedicadas e interessantes no sexto jogo estão na área de treinamento, em Paris, que está muito melhor acabada e funciona a contento como a Mansão Croft nos jogos originais; e as lojas onde antes Lara podia vender itens e conversar com os proprietários em busca de pistas (pagas ou na amizade), que agora realmente, veja só, vendem itens úteis, como armas, medkits e outras traquitanas bem difíceis de se conseguir no original.
Qualidade (prolongada) de vida
Permeando as melhorias que o pacote recebeu para além do gameplay em si, está um sistema totalmente repaginado do modo fotografia muito interessante que fará com que os entusiastas do ramo artístico (sim, estou falando também do nosso editor aqui do site Rodrigo Pscheidt, que mantém um perfil nem tão atualizado sobre fotografia digital) fiquem extasiados e, provavelmente mais presos a isso do que ao jogo em si.
Isso porque a funcionalidade chamada Flyby Camera Maker não só permite compor cenas e cenários incluindo personagens, poses, figurinos e efeitos diferentes da versão regular, como agora também faz composições animadas permitindo posicionar diferentes ângulos para gerar uma foto em movimento simplesmente espetacular. Tentei usar a função, mas confesso que nenhuma das minhas iniciativas ficou tão bacana quanto esse teste divulgado pelos seus idealizadores:
Outro detalhe ridiculamente pequeno que faz toda a diferença é um marcador de contagem de munição presente no canto inferior direito de todos os três jogos, nos informando sobre quantas balas ainda restavam em armas especiais. Não consigo calcular quantas vezes eu apanhei por não ter essa informação à mão nos meus tempos de PSOne.
Outro indicador muito bem-vindo é o de barra de vida dos principais chefes, agora visível durante a batalha e fornecendo um feedback daquilo que estamos fazendo. Afinal, entrar em uma batalha contra inimigos que são verdadeiras esponjas de balas sem saber se estão de fato sendo machucados era um saco e a soma destes dois elementos simples de interface facilita imensamente a vida do jogador e dá muito mais sensação de controle da situação.
Bonitos como deveriam ser
Uma das melhores e mais óbvias qualidades destas remasterizações dos seis primeiros jogos da franquia é, sem sombras de dúvidas, o visual aprimorado que reconstrói texturas e modelos de cenários e objetos praticamente do zero, o que dá uma camada de verniz brilhante para coisas que funcionavam em sua época e que hoje já não.


Esta repaginada, cuja comparação estou exemplificando nas imagens capturadas do jogo e inseridas nesta análise, como dito no review anterior, dá uma estranha sensação de que agora o jogo se parece muito mais com a nossa memória afetiva do que a sua versão original, já que nos anos 1990, o assombro com a tridimensionalidade era absurdo e jurávamos que o realismo havia chegado nos games.
O destaque, neste quesito, fica mais uma vez para a reformulação visual da protagonista e dos principais NPCs, e é inegável que mesmo com as diferenças na concepção estética original, a versão dela nos três jogos está o mais próximo da coesão como jamais esteve, em um movimento de equalização que funciona muito bem. Finalmente, Lara Croft parece ser ela mesma do primeiro ao sexto jogo.
Porém, o verdadeiro mote que justifica toda essa remasterização é sem dúvidas todo o redesign dos sistemas de iluminação global, porque em sua forma original, não importa o quão refeitos fossem os objetos e personagens, eles jamais seriam minimamente tragáveis. Luz, partículas e sombras estão aqui ainda mais impressionantes e dignos de jogos tão influentes. Sinceramente, se só isso tivesse sido modificado, eu já estaria satisfeito.


O resultado completo ainda não é perfeito, e dificilmente seria, dadas as limitações de se ter que usar a base de três ou quatro gerações atrás. A interação com objetos ainda é esquisita, a colisão com paredes e outros obstáculos irregulares está longe de refletir o que poderia ser, e ainda há arestas e outros defeitos aparentes, mas felizmente nenhum desses detalhes interferiu no todo.
Como já está se tornando costume nestas coleções, as cenas de corte e outros conteúdos complementares também não ganham o devido cuidado e são só reproduzidos com um escalonamento automático. Você pode até achar que está em HD, mas as aberturas são exatamente as mesmas que estavam nos CDs originais.

O desafio de mexer com algo tão relevante da história dos videogames é proporcional às facilidades de uma base que ainda é impressionante. Mesmo com seus deslizes e pontos baixos, Tomb Raider não é esse colosso da indústria por acaso, então melhorias na casca fazem com que boas qualidades de infraestrutura se destaquem e brilhem por conta própria.
Ainda continuo sentindo falta de um cuidado maior com o legado destas produções, sobretudo com conteúdo extra que valeria mais do que ouro no que tange a história. Uma galeria de artes conceituais, quem sabe documentários e outros registros da criação destes games incríveis seria algo valiosíssimo e faz falta por este aspecto de preservação artística e cultural.
Também vale destacar que a preservação e restauração de áudio é outro bom acerto, tal com a localização para o nosso idioma dos três jogos. A dublagem em português de Angel of Darkness, aliás, é um detalhe muito feliz, mesmo que o trabalho de vozes não seja tão brilhante quanto as mais recentes em jogos de alto orçamento.

Conclusão
Para todos os efeitos, Tomb Raider IV-VI Remastered é, tanto em acertos como nas deficiências, o fechamento do ótimo e necessário trabalho de resgate que a Aspyr vem realizando não só com essa franquia como com outras pérolas arqueológicas da nossa indústria.
É digno de nota dizer que o trabalho gráfico se mostra excelente dada a natureza da remasterização, um trabalho mais complicado nos jogos da geração PSOne do que no do PS2, mas por outro lado, Angel of Darkness era definitivamente o jogo que precisava de um outro cuidado mais profundo nos problemas que o tornaram tão controverso em seu lançamento. O resultado é excelente e aqui, o game é tudo o que ele deveria ser.
O conjunto é, portanto, inestimável enquanto documento histórico, mesmo sem contar com conteúdos de arquivo que abrilhantariam esse resgate. Mais do que isso, é uma grande lembrança do porquê esta marca ser até hoje uma das mais relevantes do mercado, mesclando carisma, aventura e uma trabalho de design louvável dadas as suas circunstâncias originais. Vida longa à Lara Croft!
Tomb Raider IV-VI Remastered está sendo lançado neste dia 14 de fevereiro de 2025, para Nintendo Switch, PC, Playstation 5 (versão analisada), Playstation 4, Xbox Series X|S e Xbox One, totalmente legendado (e no caso de AoD, também dublado) para o nosso português brasileiro.