Arkade Entrevista: Dan Stapleton, ex-editor chefe do Gamespy e atual editor do IGN

8 de abril de 2013

Arkade Entrevista: Dan Stapleton, ex-editor chefe do Gamespy e atual editor do IGN

Nós conversamos com o ex-editor chefe do lendário GameSpy e atual editor do IGN sobre seu trabalho, sobre análises de games, fanboys, trolls e Doritos. Veja o que ele tem a dizer nesta entrevista exclusiva para o site Arkade!

Há pouco mais de um mês, o GameSpy, um dos mais tradicionais sites de games do mundo, fechou suas portas. Junto com ele caiu também o famoso 1UP, ambos por causa de uma reestruturação do grupo IGN, o mamute das notícias de games (e de filmes, séries, HQ…).

Dan Stapleton foi o cara responsável por escrever a nota de adeus do site que serviu de referência para toda uma geração de gamers por mais de uma década. Confira as primeiras linhas do texto de despedida:

“O GameSpy, como o conhecemos, começou em 1999. Hoje, 14 anos depois, ele chegou ao fim da estrada. Nós fizemos uma ótima viagem, e queremos agradecer sinceramente a todos vocês por lerem e juntarem-se a nós nas discussões. Foi fantástico.”

Arkade Entrevista: Dan Stapleton, ex-editor chefe do Gamespy e atual editor do IGN

Dan Stapleton (segundo à dir.), após um dia de trabalho em um site de games

Não foi a toa que essa responsabilidade ficou nas mãos dele: editor da PC Gamer por oito anos, ex-editor chefe do GameSpy e atualmente editor de análises do IGN, Dan Stapleton entende bastante da imprensa gamer. Além de ter muita bagagem, o cara costuma ser bem franco em suas análises, critica abertamente o DRM, e foi uma das primeiras pessoas a jogar Fallout 3, antes mesmo do lançamento.

Nós entramos em contato com ele logo após o encerramento do GameSpy – mas não conversamos sobre isso, e sim sobre o que importa de verdade nas notícias e análises de games. Confira:

Arkade: Como é trabalhar em alguns dos sites de jogos mais influentes do mundo?

Dan: É um privilégio, com toda certeza. Tem um monte de gente realmente talentosa escrevendo sobre jogos hoje em dia, e nem todas conseguem a visibilidade que merecem. É gratificante saber que quando eu tenho algo a dizer sobre games, muito gente vai ver isso.

Arkade: Muitas pessoas pensam que escrever sobre games é um “trabalho dos sonhos”. Quais são os prós e contras desse trabalho que a maioria dos jogadores não conhecem?

Dan: Os prós são mais ou menos óbvios: você escreve sobre algo que adora, você tem acesso a mais games do que consegue jogar, e você acaba conhecendo muito sobre os desenvolvedores por trás dos seus jogos favoritos e aprendendo um pouco com eles.

O que o pessoal com quem eu converso não percebe é que eu não sou um jogador em tempo integral. Ser um editor geralmente significa que há trabalho suficiente para preencher mais do que as típicas oito horas diárias, sem poder jogar um game sequer. A maioria do meu tempo jogando é depois do trabalho.

É um trabalho duro – a maioria das pessoas têm empregos das 9h às 17h, e depois voltam para casa sem ter que se preocupar com trabalho até o dia seguinte. Trabalhar em um site como o IGN significa que sempre há algo mais que você pode fazer: mais games que você poderia jogar, mais conteúdo que você poderia escrever, mas planos que você poderia fazer. Encontrar o equilíbrio de forma que você possa fazer esse trabalho sem arruinar a própria vida é complicado.

Ah, e tem as broncas constantes que você recebe de gente furiosa na internet, sobre praticamente tudo que você escreve. É o efeito colateral de ter uma grande audiência – mesmo sendo claro que a maioria dos leitores acham que meu trabalho aceitável, eles são uma maioria silenciosa. As pessoas que comentam muitas vezes são impiedosas, ou só querem “trollar” mesmo. Você tem que aprender a lidar com isso.

E por fim, este não é um trabalho que vai te deixar rico. Eu tenho uma vida confortável hoje em dia, mas foi uma longa estrada para chegar aqui, e este é o máximo que se pode conseguir nesta área.

Arkade: Artigos e análises muitas vezes são a primeira forma de contato entre o público e novos jogos (antes mesmo da publicidade). Tem uma boa dose de responsabilidade nisso, então o que você acha que é realmente importante para se fazer uma boa análise?

Dan: Existe apenas uma função para uma análise: contar às pessoas se você acha que o jogo é bom ou ruim, e então explicar porque. Enquanto você basear o seu criticismo em informações concretas, não tem como errar. Além disso, é só uma questão de ser capaz de articular claramente seus argumentos, o que exige uma certa habilidade com a escrita.

Arkade: Você acha que análises de jogos devem mesmo ter o atual impacto nas decisões de compra dos jogadores? Nossa abordagem atual das análises não acaba fazendo com que os gamers “julguem os livros pelas capas”?

Dan: Julgar um livro pela capa seria julgá-lo exclusivamente baseado no material de marketing (e por sinal é isso que é uma capa de livro). Ler análises te dá a opinião independente de um terceiro, e é o melhor que você pode ter sem jogar o game você mesmo. Então sim, geralmente é uma boa ideia ler algumas análises antes de comprar um jogo, como com qualquer outro tipo de produto que você compraria.

Arkade: O jornalismo de games passou por uma certa crise de credibilidade, como nos casos Gerstmann e Doritos. Na sua opinião, essa desconfiança recorrente na mídia de jogos é justificada? Porque?

Dan: Eu não diria que há uma “crise”. Sempre houve, e sempre haverá um grupo de pessoas que acreditam que a corrupção rola desenfreada no jornalismo de games, e elas gostam de ser bem francas sobre isso, até mesmo quando não há evidências. Não há nada que se possa dizer ou fazer para convencê-las de que nós não estamos aqui para avacalhar com elas em nome das distribuidoras de games.

Quanto ao caso Gerstmann-gate, eu vejo isso como evidência de que a corrupção que preocupa as pessoas é na verdade extremamente rara. Jeff Gerstmann foi demitido do GameSpot em 2007 – cinco anos atrás. Foi um incidente singular que desde então não se repetiu. E para começar, a razão desse caso chamar tanta atenção é justamente por que é algo que praticamente nunca acontece. O próprio Jeff voltou a trabalhar na empresa que o mandou embora, confiante de que as pessoas responsáveis pela demissão não estariam mais lá.

A coisa com o Doritos foi engraçada, sim, mas também de certa forma ridícula. Certo, Geoff Keighley foi fotografado parecendo desiludido próximo a uma pilha de Doritos e Mountain Dew. O posicionamento do produto foi um pouco exagerado naquele caso. Mas ele estava dizendo à alguém para comprar um jogo quando na verdade ele pensava o contrário? Não. Até onde sei, aceitar dinheiro da marca Doritos não teve impacto nenhum na sua credibilidade como jornalista de games. Apenas fez ele parecer tolo porque foi feito de uma maneira extrema.

O jornalismo de games precisa de rendimento para existir, e isso precisa vir de algum lugar. Na verdade é preferível que essa renda venha de fontes como propagandas de Mountain Dew e Doritos, porque aí não fica aquela impressão de “Oh, você depende da boa vontade das distribuidoras de games para conseguir dinheiro, então é claro que você vai dar uma ótima cobertura a elas”. (Isso raramente é um fator relevante – as pessoas que fazem esse tipo de cobertura não têm sequer ideia de qual publicidade aparecerá em seus artigos).

A realidade é que se as pessoas não tivessem uma enorme confiança nos jornalistas de games, elas não viriam aos nossos sites para ler o que temos a dizer. Mas elas vêm – às dezenas de milhões. Nós estamos nos saindo bem. Nós podemos sempre fazer melhor, é claro, e nós estamos sempre tentando. Todos sabemos que sem a confiança dos nossos leitores, nós não temos nada, então isso não é algo que estamos dispostos a arriscar.

Arkade: É possível para um site de games agradar seus patrocinadores e ao mesmo tempo manter o público fiel? Como?

Dan: Bem, nós temos feito isso pelos últimos 20 anos. Mais uma vez, ao contrário do que os teóricos da conspiração da internet querem que você acredite, incidentes nos quais a confiança foi quebrada são excepcionalmente raros. Enquanto nós não formos babacas e escrevermos “[Distribuidora X] é péssima” sem um motivo real, elas não vão nos criar problemas.

Ser um crítico responsável significa basear suas alegações em informações verdadeiras, e enquanto elas forem precisas e justificáveis, os distribuidores não poderão dizer nada, e eles sabem disso. Há exceções, às vezes uma distribuidora pode ficar reclamar, mas enquanto fizermos nosso trabalho direito, nós podemos simplesmente rir delas. Diabos, no ano passado no GameSpy eu dei várias alfinetadas na EA, Ubisoft, Sega, 2K, Blizzard, só para citar algumas. Eu nunca recebi sequer uma palavra de retaliação delas, nunca tive cópias de análise retidas, nada.

Arkade: As vezes um jogo é louvado pela crítica mas detonado pelo público (o site agregador de notas Metacritic nos vem a mente), e até as opiniões dos sites podem variar muito. Como você vê estes diferentes pontos de vista? Você já precisou criticar um jogo que você tenha gostado muito, ou o oposto?

Dan: Críticos de games são parte do público. Não somos de forma alguma diferentes dos leitores e seus amigos – nós somos gamers. É um engano ver “o público” como uma entidade monolítica que tem uma opinião só. A pontuação dos usuários do Metacritic não indica de forma alguma a impressão do público como um todo. Geralmente ela é usada como protesto contra DRM ou DLCs, e em muitos casos por gente que nunca sequer jogou o game em questão.

Outro problema é que muitas pessoas pensam em jogos apenas em termos de “8 ou 80”, sem nenhuma análise intermediária, o que pode distorcer as pontuações. E lembre-se: há pessoas lá fora que odeiam seus jogos favoritos e adoram os games que você mais detesta. Opiniões sobre jogos são coisas muito pessoais – não há certo ou errado.

Com certeza eu já critiquei games que eu realmente curti. Eu fiz isso em todas as análises positivas que escrevi até hoje. Nenhum jogo jamais foi perfeito.

Arkade: Por falar nisso, os gamers podem ser bastante extremos nas suas opiniões, indo de fanboys a haters e tudo que há entre os dois. Você já teve algum problema sério com esse tipo de público?

Dan: Meu maior problema é com pessoas que não entendem o que uma análise é, ou o que a pontuação de uma análise significa. A análise de um jogo, como toda crítica cultural, é basicamente a coisa mais subjetiva que alguém pode fazer. Fora do “Esse game funciona?”, tudo o que você diz sobre ele ser bom ou ruim é uma opinião. É claro que as pessoas vão discordar, exatamente como você já discordou sobre o valor de tudo, desde a Mona Lisa até Os Beatles e Cidadão Kane. Acusar um crítico de ser “tendencioso” porque ele não gosta de um jogo tanto quanto você é como acusar seu amigo de ser tendencioso porque a banda favorita dele é diferente da sua. É patético.

As pessoas também dão muita importância às pontuações. As notas de análises não são matemáticas, elas não começam em 100% e perdem ou ganham pontos por cada reclamação ou elogio. Elas são simplesmente um código, e para decifrá-lo tudo o que você tem que fazer é dar uma olhada na definição da escala de cada publicação. Quando eu dou uma nota entre 8.0 e 8.9 à um game, eu estou chamando ele de “ótimo”. E como eu disse antes, isso nada mais é do que uma forma de demonstrar uma opinião. Não é científico, nem universal.

Arkade: Alguns artigos levantam discussões que quebram a barreira games/vida real, e levam o publico a debater temas sérios como racismo, papel dos sexos, causas sociais, ambientais, etc. Como você vê esse tipo de repercussão?

Dan: Isto é crítica cultural. Especialmente quando se trata de ficção e dos temas explorados nos games, não há diferença alguma da crítica de filmes e televisão ou música. Games podem lidar com assuntos bem sérios, ou simplesmente ignorá-los. Não há mal nenhum em discutir essas coisas, desde que isso seja feito de forma respeitosa.

Arkade: O quanto você se diverte trabalhando entre gamers? O que acontece quando vocês colocam as mãos em um bom game multiplayer?

Dan: Na verdade eu não sou um grande jogador multiplayer. Eu prefiro a jogatina como uma experiência solitária. Meu trabalho exige que eu pule de um jogo ao outro muito rapidamente, então eu raramente tenho tempo de praticar o suficiente para jogar boas partidas online.

Mas é claro, existem jogos que ocasionalmente prendem minha atenção e ao quais eu me apego por um bom tempo. Eu acho que o mais recente foi o Frozen Sypnase. Eu já joguei mais de 100 partidas daquilo.

Arkade: Qual análise ou artigo em que você trabalhou até agora foi o mais marcante para você, e por que?

Dan: De vez em quando eu lembro da prévia de Fallout 3 que fiz para a PC Gamer, em 2008. Foi um jogo pelo qual eu era genuinamente apaixonado, e eu acho que isso transpareceu na escrita. É um artigo sobre a minha experiência ao jogar, ao invés de uma lista detalhando ponto a ponto os recursos do game.

Arkade: Por fim, é fato que os games estão se tornando uma das principais mídias de entretenimento, junto com filmes e música, por exemplo. As pessoas não precisam mais necessariamente ser gamers para curtir e se envolver com a cultura de jogos. O que você pensa sobre isso?

Dan: É bem simples, quanto mais gente jogando games, melhor!

Você pode acompanhar o trabalho atual de Dan Stapleton no site IGN.com, como a sua recente análise de SimCity, ou pesquisar por um de seus artigos anteriores, como a mencionada prévia de Fallout 3.

Você concorda com o ponto de vista dele sobre as notícias e análises de games? Deixe a sua opinião sobre esta entrevista nos comentários!

*Agradecemos a Dan Stapleton pela troca de ideias e a todos os colaboradores da equipe Arkade pelo brainstorm que gerou as perguntas desta entrevista!

(Via: Arkade, GameSpy, IGN)

Daniel Zimmermann

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