Pokémon: Detetive Pikachu é um filme de videogame feito do jeito certo
Esta semana, os monstrinhos mais famosos do mundo dos games invadiram as salas do cinema em sua primeira aventura live action. E, seja você um fã de Pokémon ou não, pode ir ao cinema sem medo, pois Detetive Pikachu é uma das melhores adaptações de games para as telonas já produzida!
Começar pelo spin off foi uma boa ideia
Eu sei, eu sei. A ideia de termos um Pikachu falante — com a voz do Deadpool! — soa bizarra pra caramba. Mas, o game Detetive Pikachu — lançado para o Nintendo 3DS em 2016 — parte da mesma premissa bizarra: um garoto e um Pikachu falante (que é detetive) unem forças para descobrir o paradeiro de um homem, em uma metrópole onde uma droga anda deixando Pokémons um tanto… selvagens.
Esse jogo não é nem de longe tão famoso quando a série Pokémon tradicional, mas adaptar justamente esta história para o cinema tirou dos ombros dos produtores a pressão de ter de adaptar uma obra que mexe tanto com a nostalgia e o carinho dos fãs. Uma adaptação de Pokémon Red & Blue, por exemplo, teria muito mais chance de flopar caso não fosse extremamente fiel aos jogos. Trazer uma história “secundária” torna os riscos bem menores, e permite muito mais experimentação com o que funciona (ou não) em um novo formato.
Que fique claro que a história em si é bastante fiel com a que vimos no game Detetive Pikachu: aqui não temos Ash querendo ser o melhor treinador Pokémon, mas Tim, um garoto que acaba formando um improvável aliança com um Pokémon falante para desvendar a misteriosa morte de seu pai. Então, saem os ginásios, estádios e a busca para ser o melhor, e entra uma história leve de investigação, com bom humor, boas referências e as lições de confiança e amizade que filmes “para crianças” costumam trazer.
O roteiro está longe de ser genial — há reviravoltas previsíveis e clichês aqui e ali — mas funciona bem o bastante para ninguém ficar entediado na sala de cinema, ao mesmo tempo que é tão fiel quanto possível ao jogo — lembrando que falo do jogo Detetive Pikachu, não de Pokémon Red & Blue, nem nada do tipo. De quebra, é um filme engraçado, com boas piadas e muito carisma. Embora seja difícil não associá-lo ao Deadpool, é fato que Ryan Reynolds entrega um Pikachu muito divertido.
Esse filme entende de Pokémons
Embora não seja uma adaptação dos jogos “principais” da franquia Pokémon, Detetive Pikachu sem dúvida foi feito por quem entende do assunto. A Ryme City do filme — uma cidade utópica onde humanos e Pokémons vivem e trabalham lado a lado — está cheia de monstrinhos espalhados por todo lugar, e ainda que muitos deles sejam apenas “figurantes”, no geral eles se comportam como a gente espera que se comportem.
Temos aqui um filme que realmente insere as criaturinhas no “mundo real” de uma maneira que a gente realmente acredita que elas estão lá. E, convenhamos, se Pokémons existissem, os duelos entre eles seriam praticamente como rinhas de galo, então o fato da coisa ser meio “ilegal” em Ryme City combina perfeitamente com a proposta de uma cidade que busca harmonia entre humanos e Pokémons.
Quando vemos Pokémons realmente brigando e interagindo entre eles, fica claro que os produtores sabem com o que estão lidando. As habilidades e evoluções dos bichinhos são muito legais, e o contexto no qual são apresentadas sem dúvida é legal o bastante para agradar tanto fãs de longa data da série quanto o público casual do cinema, que não faz ideia de como algo “inútil” como um Magikarp pode se tornar algo enorme e invocado como um Gyarados.
Obviamente, não há espaço para todos brilharem, mas os principais para a trama andar, realmente se destacam. A grande estrela obviamente é o Pikachu detetive falante, mas o filme ainda entrega bons momentos de Psyduck, Mr. Mime, Cubone, Ditto e, claro, Mewtwo.
E o que dizer do visual dos bichinhos? Enquanto o filme do Sonic derrapou feio e causou a ira dos fãs pelo mundo afora (com apenas UM bicho digital), Detetive Pikachu acerta a mão o tempo todo, com centenas de criaturas que vão do fofinho ao bizarro — e até ao assustador — com muita competência.
Os olhos dos bichinhos são particularmente expressivos — o trabalho por trás disso deve ter sido insano –, de tal modo que é impossível sair do cinema sem querer ter um Detetive Pikachu (nem que seja de pelúcia).
Um filme que não tenta ser só fan-service
Um dos maiores desafios na hora de adaptar uma obra muito famosa para outra mídia é justamente como adaptar certas coisas. Os fãs costumam esperar que filmes sejam basicamente traduções ipsis litteris de seus games/quadrinhos/animes favoritos, mas a verdade é que muito disso é inviável.
Convenhamos: games, animes e quadrinhos possuem certas bizarrices que até são toleráveis em seu formato original, mas que seriam simplesmente ridículas se fossem levadas ao pé da letra em um filme live action. De trajes espalhafatosos a poderes exagerados, passando por histórias absurdas, certas coisas simplesmente não funcionam em outra mídia.
E, quando as mudanças são feitas do jeito certo, a gente não liga: a Marvel mudou muita coisa ao adaptar suas HQs ao MCU, e, embora a gente até quisesse que certas coisas não tivessem sido mudadas, no geral estamos ok com isso, e acompanhamos os derradeiros momentos de Vingadores Ultimato com lágrimas nos olhos. “O show tem que continuar” e, dentro do que nos foi apresentado no MCU, as concessões são válidas e fazem sentido dentro deste novo formato.
É algo totalmente diferente do que aconteceu com a cinessérie Resident Evil por exemplo. Comercialmente, os filmes fizeram bastante sucesso, mas a maioria esmagadora dos fãs dos games odeiam os filmes, simplesmente porque eles aproveitaram apenas a premissa da coisa toda (a epidemia zumbi, a Umbrella Corporation) e levaram tudo para caminhos altamente questionáveis, com mais explosões e superpoderes e menos terror. Personagens como Jill, Leon e Ada viraram apenas coadjuvantes de luxo em filmes que foram tendo cada vez menos a ver com os games que lhes serviram de inspiração, e deram as caras somente pelo fan service.
Detetive Pikachu não faz isso: ainda que seja baseado em um spin off bem menos conceituado da série, tudo ali claramente foi feito com carinho e respeito ao material original da série Pokémon como um todo, especialmente no que tange a aparência e o comportamento dos bichinhos. Há easter eggs e aparições rápidas que estão ali só para tirar um sorriso dos fãs, mas tudo funciona dentro do conceito do filme, sem que pareça forçado ou gratuito.
Conclusão
Assim, Detetive Pikachu entra para um seletíssimo grupo de boas adaptações de games para o cinema. É a melhor já produzida? Bom, na minha opinião esse título ainda é de Terror em Silent Hill — filme de 2006 que continua ótimo, mas teve uma sequência péssima –, mas isso pode ser porque eu tenho mas apreço pelos jogos de Silent Hill do que pelos dos Pokémons. Mas olha, eu fui ao cinema mais pela curiosidade e pela fofura da coisa toda, e saí bem satisfeito com o conjunto da obra.
É possível sair desapontado da sala de cinema? Talvez se você estiver esperando para ver Charmanders, Bulbasaurs e Squirtles sendo escolhidos por treinadores, pokébolas voando para lá e para cá e batalhas em ginásios. Mas, se você der uma chance ao filme, e assisti-lo pelo que ele é — e não pelo que gostaria que ele fosse –, a chance de sair com um sorriso no rosto é bem grande. Detetive Pikachu é cativante e bem executado, e isso é mais do que pode ser dito da grande maioria de adaptações de games no cinema.
Já foi ver Detetive Pikachu? O que achou do filme? Divida sua opinião (sem spoilers) aí nos comentários! 😉
P.S. Se aceita uma dica de ouro, procure pela versão legendada. Está bem difícil de achar (talvez porque a distribuidora achou que este era mais um “filme de criança”, há muito mais sessões dubladas em exibição), mas ouvi dizer que a dublagem brasileira do filme não é lá essas coisas, o que pode acabar arruinando sua experiência.