Cine Arkade: Interestelar e a complexidade de Christopher Nolan
Um dos maiores cineastas dos últimos tempos finalmente lançou o seu novo longa metragem, e nesta edição especial da Cine Arkade decidimos homenagear o diretor e alguns de seus maiores filmes, além de trazer uma análise complete do altamente antecipado, Interestelar!
Podemos considerar que Christopher Nolan faz parte da lista dos grandes cineastas do século XXI. Seu estilo e sua maneira de criar histórias criativas e complexas enquanto prende o espectador na poltrona do cinema é algo que poucos conseguem fazer.
Claro que o diretor de filmes como a trilogia de O Cavaleiro das Trevas, A Origem e Amnésia não consegue agradar a todos. Há quem não goste dos seus trabalhos, e tudo bem, afinal o número de “haters” é equivalente ao número de fãs que não conseguem criticar seus filmes.
Se nenhum diretor consegue agradar a todos. o que podemos considerar é que Nolan é um diretor que polariza um imenso público. Mas por que temos tantas pessoas no mundo do cinema que o adoram enquanto tanta s outras pessoas odeiam seu trabalho, mas continuam prestando atenção em Nolan, nem que seja para falar mal e torcer pelo seu fracasso?
Ao meu ver a resposta desta pergunta se situa no tipo de filme mais complexo apresentado por Nolan. Ele claramente não tem medo de criar algo que o espectador não consiga entender de cara, o que por sua vez transforma a simples ida ao cinema em uma verdadeira experiência.
Seus maiores trabalhos acabam gerando muitos debates, seja em longas e explicativas teorias sobre o final de A Origem que rolam em fóruns, ou na mesa do bar onde amigos debatem suas teorias assim que saem do cinema. E talvez este seja um de seus maiores feitos: a oportunidade de incitar o debate, a discussão.
Um bom filme consegue capturar uma pessoa em seu primeiro ato sem utilizar objetos e cenários clichês. No lugar de prender o espectador somente pelos visual brilhante das explosões, por um susto barato ou pela violência gratuita, um bom filme consegue te manter interessado pelos diálogos, por sua complexidade, pelos plot twists bem sacados e por todos os elementos que, juntos, complementam a “magia” do cinema.
Dito isso, quero deixar claro que não vejo nada de errado em um filme com explosões bem feitas, gritos de terror bem colocados ou violência como um instrumento para explicar o enredo e as motivações de um personagem. Só que existe um grande diferencial em todos exemplos que dei, que é a simples execução daquela cena em um contexto para o filme como um todo.
E assim como a maioria dos cineastas que atingiram a fama, Nolan passou por transições durante a sua filmografia. Comparando de uma forma bruta, podemos considerar que o longa metragem Amnésia de Nolan é equivalente ao Pulp Fiction de Tarantino, ou aos Bons Companheiros de Scorcese.
Já a trilogia do Cavaleiro das Trevas e A Origem tem um valor similar ao Kill Bill, ou a’Os Infiltrados. O que eu quero dizer é que estas duas classificações estão vinculadas à notoriedade do diretor, com a primeira porção sendo o filme que deixou o cineasta conhecido entre os amantes do cinema, e a segunda parte é considerada como o momento de explosão, de criação de identidade, quando todos conseguem conectar o filme diretamente ao diretor.
Porém, por trabalhar com ficção científica e até super-heróis, Nolan consegue atrair um público mais variado, tanto positivamente quanto negativamente, pois a relação de amor e ódio pelo diretor é tão poderosa e confusa quanto a complexidade de seus filmes. Há quem critique quando um filme é complexo e ambíguo demais, outros reclamam quando tudo é “mastigado” e subestima a inteligência do espectador.
Claro que seus filmes estão longe da perfeição (algo bem subjetivo), mas podemos dizer que Nolan tem seus problemas relacionados ao roteiro, com vários de seus filmes se sustentando em meras “coincidências” que, se pararmos para analisar, desafiam a lógica e quebram a linha que conecta sua história. E temos ainda os furos ocasionais que um filme tem quando aborda temas temas como a manipulação e a percepção do tempo, que é o cerne de Interestelar.
Interestelar conta com uma seleção estelar de atores (eu juro que este trocadilho foi acidental), incluindo Jessica Chastain, Michael Cane, Casey Aflleck, Matt Damon e Anne Hathaway, temos Matthew McConaughey tomando o papel do protagonista, Cooper, um ex-piloto e engenheiro que se torna um fazendeiro em necessidade da intensa calamidade que está ocorrendo na Terra.
Neste futuro próximo, a Terra não consegue sustentar a humanidade em suas necessidades mais básicas de alimentação: o que eles definem como uma praga está destruindo todas as plantações e as colheitas. A trama se desenrola com a humanidade vendo que o seu tempo na Terra está acabando e decidindo buscar um novo começo em planetas em galáxias distantes.
Interestelar tem algo similar ao clássico 2001 – Uma Odisseia no Espaço, de Stanley Kubrick, com temas sobre o espaço sideral e a busca pelo desconhecido. Mas diferente de Kubrick, Nolan decide focar em uma história que trabalha com temas tocantes e significativos que vão além da ciência, como a ligação entre Cooper e sua filha, Murph.
Um dos pontos positivos de Interestelar é o cuidado que o filme tem em explicar o quão importante a família de Cooper é para ele, utilizando o primeiro ato inteiro para dar um tom emocional necessário que afeta o protagonista em seus maiores momentos e assim consegue intensificar ainda mais alguns das situações mais tocantes e profundas no filme.
Por mais que boa parte do filme tem o espaço e a ciência por trás disso como pano de fundo, Interestelar não quer ser o próximo 2001 – Uma Odisseia no Espaço ou o recente Gravidade, mas sim contar uma história que seja tão fiel ao tema quanto estes filmes, enquanto se foca em manter os pés no chão com um drama familiar capaz de deixar qualquer um emocionado pelos personagens e as dramáticas situações em que eles se encontram.
A trilha sonora do aclamado compositor Hans Zimmer também é um grande atrativo. Particularmente nunca fui um grande fã de seu trabalho pois em minha opinião ele compõe trilhas bem parecidas, além de que sempre fui mais inclinado à lúgubre e sombria pegada das trilhas sonoras de Trent Reznor do que a orquestral e gigantesca produção de Zimmer.
Porém, fui surpreendido: Interestelar é um de seus maiores feitos, com sua música tendo algo de grandioso nos momentos mais intensos sem parecer pretensioso, e se adequando muito bem ao tom geral do filme, surgindo nas horas certas e desaparecendo propositalmente para reforçar a interpretação e a tensão de certos momentos.
Mas como mencionei acima, os filmes de Nolan tendem a se separarem em duas direções: tentando explicar o seu enredo sem desmerecer a inteligência do público e deixar uma certa ambiguidade passível de debates, ou desenvolver uma exposição tão grande que pode incomodar aqueles que entenderam o significado “daquela cena” e mesmo assim uma enorme explicação continua sendo mostrada para ter certeza que todos entenderam.
E infelizmente Interestelar caminha pela segunda direção, tendo um nível perfeito de complexidade durante uma grande parte do filme, somente para gastar muito tempo explicando o desnecessário. E como se não bastasse, a exposição continua até quando todo o mistério já foi desvendado. Talvez a intenção de Nolan era fazer um filme que seja uma experiência única e fechada sem a necessidade de deixar a incerteza no ar para o espectador, mas particularmente acho que um pouco de mistério para atiçar a mente do público é sempre bem-vindo e cairia bem aqui.
No fim acredito que Interestelar seja mais um na lista dos filmes de Nolan que atinge um imenso sucesso, tanto financeiramente quanto artisticamente, o que é algo que está se tornando um padrão respeitável em seu currículo.
Assim podemos ter certeza que a complexidade de Christopher Nolan somente equipara à sua grandiosidade e à meticulosidade de seus filmes, o que o torna um cineasta importante, que não tem medo de se expressar à sua própria maneira, o que atrai tanto uma legião de fãs quanto uma legião de haters aos cinemas.
Bem ou mal, as intrigadas e instigantes obras de Nolan são verdadeiras portas para mundos verdadeiramente inspiradores, criativos e complexos, e tenho certeza de que só por isso, por atiçar a curiosidade do fãs e entregar trabalhos de alta qualidade, Nolan sem dúvida merece o posto de um dos indivíduos mais importantes do cinema atual.
